Por outro lado, o regulamento aceita que muitos filmes já tenham sido exibidos, e até premiados, em festivais brasileiros. Metade da seleção organizada por Rubens Ewald Filho, Marcos Cantuária e Eva Piworwarski integrou a Première Brasil do Festival do Rio, no ano passado. Isso pode.
'Que horas ela volta?' estreia dia 27 nos cinemas brasileiros. No mesmo dia, vai estrear nos EUA. É um filme com potencial para Oscar - Regina Casé já foi melhor atriz no Sundance Festival. O filme de Anna Muylaert dialoga com dois outros que estão entre os melhores produzidos no País, nos últimos anos - 'Casagrande', de Fellipe Barbosa, e 'O som ao redor', de Kleber Mendonça Filho. Segundo a diretora, é o 'Casagrande' visto da cozinha, enquanto o longa de Fellipe Barbosa encara as tensões sociais no Brasil de 2015 do ângulo da sala.
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"Não preparei discurso para esta noite, porque prefiro deixar me levar pela emoção", disse no palco do Palácio dos Festivais. "O que penso agora é que devo agradecer muito aos meus colegas, com quem aprendi muito. Nesse momento, lembro de todos os que passaram pelos meus 62 anos de profissão" - Daniel estreou no começo dos anos 1950. Contracenou com figuras lendárias como Oscarito e Zé Trindade. Seus filmes como diretor fizeram mais de 40 milhões de espectadores. É o sr. Bilheteria do cinema brasileiro.
Na ausência de 'Que horas ela volta?', coube a Luiz Carlos Lacerda com Introdução à Música do Sangue, iniciar a competição brasileira. O filme marca o novo tributo do diretor ao escritor mineiro Lúcio Cardoso, de quem foi amigo. A história foi cedida a Lacerda, ou Bigode, como é conhecido, pelo autor, mas ele a perdeu e só recuperou recentemente. O roteiro do próprio Lacerda filtra Lúcio Cardoso por Humberto Mauro. A filmagem foi feita nas proximidades de Cataguases, onde Mauro desenvolveu um ciclo importantíssimo do cinema brasileiro.
Introdução tem algumas (poucas) qualidades. A opção pela iluminação à luz de velas é atraente, embora nem sempre lograda. O elenco jovem é ótimo - Greta Antoine e Armando Babaioff. É a hora do garoto, que estrela o novo longa de Roberto Gervitz, selecionado para os festivais de Brasília e Montreal. A história passa-se no meio rural. Tem algo de filmes como Inocência, que Walter Lima Junior dedicou a Humberto Mauro.
Um casal de velhos, uma garota que provoca o desejo do homem maduro e também o de um jovem agrônomo que trabalha no local. Bete Mendes e Nei Matogrosso, que fazem os idosos, possuem carreiras expressivas. Criam os talvez mais constrangedores personagens de suas carreiras. Ele revira os olhos, enlouquecendo de desejo. Parece um zumbi.
Face a essas atribulações brasileiras na seleção de Gramado 2015 os latinos avançaram olimpicamente. Do México veio 'En la Estancia', filme estranho sobre pai e filho numa cidade fantasma e o documentarista que faz um filme sobre eles. Há uma ruptura de tempo, passam-se os anos, volta o documentarista, mas agora as ligações são outras. O diretor Carlos Armella é cria de Alejandro González-Iñárritu, que produziu o filme, mas nada - tempo, espaço, personagens - vincula 'En la Estancia' ao diretor de 'Birdman'.
O segundo longa latino foi melhor ainda. 'Zanahoria/Cenoura', de Enrique Buchichio (re)abre a vertente do thriller político no Cone Sul. O filme baseia-se numa tal 'operação cenoura', desencadeada no Uruguai, há pouco mais de dez anos, no quadro eleitoral que apontava para a vitória da esquerda nas eleições presidenciais. O complexo político/militar resolveu então desenterrar vítimas da ditadura. O objetivo era eliminar provas, face a uma eventual vitória da Frente Ampla de esquerda, que poderia querer a investigação de antigos crimes.
Nesse quadro, dois jornalistas são enredados por um homem do esquema, misto de trapaceiro e mitômano, que lhes promete provas mas não as fornece. O diretor Buchichio bebeu na fonte de Costa-Gavras (Z) e Alan J. Pakula ('Todos os homens do presidente'). O thriller vira anti-thriller. Não surgem as provas mas só as evidências nos revelam tudo sobre os personagens e o clima político. Cenoura também é sobre ética jornalística, um tema mais que nunca atual no Brasil. E os atores - Cesar Troncoso, Abel Tripaldi e o jovem Martin Rodriguez - são excepcionais. Vai haver Kikito por aqui.