Há uma máxima que diz que todo brasileiro tem o pezinho na África. Mas alguns têm bem mais do que isso. “Têm o pé, a perna, a alma, o coração. Um estudo mostrou que, numa determinada época, havia aqui um europeu para cada africano. Isso mostra que também fomos colonizados por eles, tanto que vemos a presença muito forte da África na nossa culinária, na nossa música, no nosso vocabulário e até na nossa cor”, ressalta o jornalista Carlos Alberto Jr., diretor de um projeto que tenta detectar as origens africanas de 150 brasileiros. A série Brasil: DNA África, produção da Cine Group, se propõe a investigar a origem dos afrodescendentes e a importância dos africanos na construção do Brasil.
Em Minas, o personagem principal que vai voltar aonde tudo começou, a mãe África, é o cantor, ator e compositor Sérgio Pererê, de 39 anos. A equipe do documentário esteve essa semana em Belo Horizonte filmando o dia a dia do músico e visitou locais importantes da sua vida e de sua rotina. Quando foi convidado para integrar o projeto, o artista ficou superanimado e conta que tanto ele como a família, sobretudo o pai, já falecido, sempre tiveram a intenção de descobrir suas raízes. “Eu só sei informações dos meus avós e nada mais. Há uma lacuna aí. Sempre tivemos essa intenção de voltar para a África e, de certa maneira, de descobrir exatamente de onde viemos”, revela.
ANGOLA E GUINÉ O resultado do exame de Sérgio Pererê mostrou que sua ascendência materna vem do povo djola, da Guiné-Bissau, enquanto que a paterna provém do povo umbundo de Angola. A descoberta deixou os Pereiras bem empolgados, sobretudo a matriarca. “Acho muito importante a gente saber de onde vem. Deus me fez assim e tenho muito orgulho das minhas raízes negras”, celebra dona Fininha.
“Com a escravidão e a vinda de milhares de negros para o Brasil, houve uma ruptura brusca. E a ideia desse documentário é resgatar uma história que se perdeu. Quando eles vieram, até os sobrenomes se perderam, porque foram obrigados a assumir o sobrenome de seus proprietários brasileiros ou de quem os vendeu ainda na África. Não deixa de ser uma reconexão, uma redescoberta e um reencontro”, comenta o produtor-executivo das gravações em Minas Gerais, Fernando Libânio.
Outros mineiros também tiveram a oportunidade de descobrir sua estirpe, como a artesã Zora Santos, de 62. Quando contou para a filha que tinha sido uma das selecionadas para se submeter ao teste de DNA, as duas ficaram emocionadas. Ziora já tinha como meta visitar o país de seus ascendentes. Com o resultado do teste, soube que seu destino será Camarões. “Sou descendente de três tribos camaronesas. Pelo que soube, teve um fluxo muito grande de negros de Camarões para a Bahia e o Norte de Minas. Quero pesquisar mais a fundo sobre esse assunto. Ainda estou me reconhecendo”, declarou.
Quem também descobriu ter sangue camaronês é o cantor e compositor Sérgio Santos, de 59 anos. O músico afirma que nunca teve a preocupação de desvendar sua ascendência. “A matriz africana é bem forte e por isso a gente tem tantos elementos daquele continente na nossa cultura, na nossa identidade”, pontua Sérgio, cujo trabalho é muito vinculado à cultura afro e à negritude.
“Ao longo desse trabalho, a gente tem se deparado com descobertas bem bacanas e histórias fortes e emocionantes”, observa o diretor dos episódios, Alexandre Jordão. Para ele, num país em que 51% da população se diz negra ou parda, segundo dados do próprio IBGE, uma série como essa vem a calhar. “O Brasil precisa reconhecer que existe um racismo velado e que não somos uma democracia racial plena como muita gente gosta de apregoar. O documentário tem a importância de reforçar a discussão sobre preconceito, desigualdade social, exclusão e a própria violência”, constata. Carlos Alberto Jr. diz esperar que Brasil: DNA África ajude a “aproximar os dois continentes, resgatar laços desaparecidos e permitir um rastreamento desse passado”.
Quilombos de BH
Será lançado no fim de agosto o documentário Vozes da resistência: os quilombos urbanos de Belo Horizonte. Com duração de 1h40, o longa trata sobre as três comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares na cidade: Luízes, Mangueiras e Manzo Ngunzo Kaiango, que lutam para se manter vivas, apesar do crescimento urbano e da crescente expansão imobiliária. A principal proposta do documentário, que tem direção de Zuleide Filgueiras, é dar voz aos quilombolas, seu valores e tradições.
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