Há uma máxima que diz que todo brasileiro tem o pezinho na África. Mas alguns têm bem mais do que isso. “Têm o pé, a perna, a alma, o coração. Um estudo mostrou que, numa determinada época, havia aqui um europeu para cada africano. Isso mostra que também fomos colonizados por eles, tanto que vemos a presença muito forte da África na nossa culinária, na nossa música, no nosso vocabulário e até na nossa cor”, ressalta o jornalista Carlos Alberto Jr., diretor de um projeto que tenta detectar as origens africanas de 150 brasileiros. A série Brasil: DNA África, produção da Cine Group, se propõe a investigar a origem dos afrodescendentes e a importância dos africanos na construção do Brasil.
Ao todo, 150 pessoas dos cinco estados brasileiros que mais receberam escravos (Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais) fizeram testes de DNA para descobrir suas origens. O exame, realizado por meio de amostras de saliva, identificou se a pessoa compartilha a ancestralidade de determinadas etnias africanas. “Mais de 220 etnias africanas estão registradas no banco de dados do laboratório responsável pelos testes, o African Ancestry, em Washington (EUA). Cada estado teve 30 pessoas dos mais diversos segmentos selecionadas para se submeterem ao teste, sendo que apenas uma delas foi escolhida para visitar seu povo na África. Portanto, a série terá cinco episódios de 52 minutos cada, focando esse personagem central, mas entrelaçado com outras histórias e depoimentos de especialistas, como historiadores e antropólogos”, destaca.
Em Minas, o personagem principal que vai voltar aonde tudo começou, a mãe África, é o cantor, ator e compositor Sérgio Pererê, de 39 anos. A equipe do documentário esteve essa semana em Belo Horizonte filmando o dia a dia do músico e visitou locais importantes da sua vida e de sua rotina. Quando foi convidado para integrar o projeto, o artista ficou superanimado e conta que tanto ele como a família, sobretudo o pai, já falecido, sempre tiveram a intenção de descobrir suas raízes. “Eu só sei informações dos meus avós e nada mais. Há uma lacuna aí. Sempre tivemos essa intenção de voltar para a África e, de certa maneira, de descobrir exatamente de onde viemos”, revela.
ANGOLA E GUINÉ O resultado do exame de Sérgio Pererê mostrou que sua ascendência materna vem do povo djola, da Guiné-Bissau, enquanto que a paterna provém do povo umbundo de Angola. A descoberta deixou os Pereiras bem empolgados, sobretudo a matriarca. “Acho muito importante a gente saber de onde vem. Deus me fez assim e tenho muito orgulho das minhas raízes negras”, celebra dona Fininha.
“Com a escravidão e a vinda de milhares de negros para o Brasil, houve uma ruptura brusca. E a ideia desse documentário é resgatar uma história que se perdeu. Quando eles vieram, até os sobrenomes se perderam, porque foram obrigados a assumir o sobrenome de seus proprietários brasileiros ou de quem os vendeu ainda na África. Não deixa de ser uma reconexão, uma redescoberta e um reencontro”, comenta o produtor-executivo das gravações em Minas Gerais, Fernando Libânio.
Outros mineiros também tiveram a oportunidade de descobrir sua estirpe, como a artesã Zora Santos, de 62. Quando contou para a filha que tinha sido uma das selecionadas para se submeter ao teste de DNA, as duas ficaram emocionadas. Ziora já tinha como meta visitar o país de seus ascendentes. Com o resultado do teste, soube que seu destino será Camarões. “Sou descendente de três tribos camaronesas. Pelo que soube, teve um fluxo muito grande de negros de Camarões para a Bahia e o Norte de Minas. Quero pesquisar mais a fundo sobre esse assunto. Ainda estou me reconhecendo”, declarou.
Quem também descobriu ter sangue camaronês é o cantor e compositor Sérgio Santos, de 59 anos. O músico afirma que nunca teve a preocupação de desvendar sua ascendência. “A matriz africana é bem forte e por isso a gente tem tantos elementos daquele continente na nossa cultura, na nossa identidade”, pontua Sérgio, cujo trabalho é muito vinculado à cultura afro e à negritude.
“Ao longo desse trabalho, a gente tem se deparado com descobertas bem bacanas e histórias fortes e emocionantes”, observa o diretor dos episódios, Alexandre Jordão. Para ele, num país em que 51% da população se diz negra ou parda, segundo dados do próprio IBGE, uma série como essa vem a calhar. “O Brasil precisa reconhecer que existe um racismo velado e que não somos uma democracia racial plena como muita gente gosta de apregoar. O documentário tem a importância de reforçar a discussão sobre preconceito, desigualdade social, exclusão e a própria violência”, constata. Carlos Alberto Jr. diz esperar que Brasil: DNA África ajude a “aproximar os dois continentes, resgatar laços desaparecidos e permitir um rastreamento desse passado”.
Quilombos de BH
Será lançado no fim de agosto o documentário Vozes da resistência: os quilombos urbanos de Belo Horizonte. Com duração de 1h40, o longa trata sobre as três comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares na cidade: Luízes, Mangueiras e Manzo Ngunzo Kaiango, que lutam para se manter vivas, apesar do crescimento urbano e da crescente expansão imobiliária. A principal proposta do documentário, que tem direção de Zuleide Filgueiras, é dar voz aos quilombolas, seu valores e tradições.
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