“Filme francês não era benvisto pelo público no Brasil. Diziam que eram filmes em que se falava muito e não acontecia nada”, relembra Bernardini. Diante das dificuldades, nos anos seguintes a sua distribuidora, Imovision, passou a lançar produções de cinematografias europeias, porém não francesa.
A situação só foi revertida quando houve intervenção do Centro Nacional do Cinema (CNC), instituição francesa que representa os profissionais da área. “Foi criado um sistema de apoio aos filmes franceses, feita uma campanha para mudar a imagem, mais ou menos o que o Brasil tem tentado fazer”, diz o distribuidor.
E o cenário, 25 anos mais tarde, é outro. A produção francesa responde pela maior fatia de lançamentos da Imovision. Ao longo de duas décadas e meia, a empresa já lançou duas centenas de filmes no Brasil.
Os números demonstram que a experiência de Bernardini não é um caso isolado. A França ocupa hoje o terceiro lugar em número de lançamentos no mercado exibidor brasileiro. Perde para os Estados Unidos e o Brasil. Dos 267 longas exibidos no país no primeiro trimestre, os EUA ocupam o primeiro lugar, com 97 produções, seguidos pelo Brasil, com 71. Depois vem a França, com 24 filmes exibidos. A diversidade é uma marca dessas produções, como comprovam os filmes em cartaz. Em Belo Horizonte, há quatro produções francesas nas salas de cinema: a comédia 'O que as mulheres querem', que traz um elenco de nomes conhecidos (Isabelle Adjani, Vanessa Paradis); o experimental 'Jornada ao Oeste', coprodução com Taiwan; a comédia dramática 'Samba', protagonizada por Omar Sy, ator do blockbuster francês 'Intocáveis' (2011); e o drama 'Uma nova amiga', do badalado diretor François Ozon.
“A produção francesa vem quebrando a imagem de um cinema ‘cabeça’, intelectual e pesado. Não se trata de matar a nouvelle vague, mas mostrar uma outra percepção para o cinema francês, que consegue ser bem diverso, também com comédias e filmes de ação”, afirma Christian Boudier. Também francês radicado no Brasil, Boudier é criador do Festival Varilux, que, nos últimos cinco anos, tornou-se a principal vitrine para a produção cinematográfica daquele país. Realizado anualmente em junho, o evento exibe uma série de premières e traz ao país diretores e atores.
THRILLER Sobre a mudança na imagem que se faz do filme francês a que ele se refere, um exemplo é o sucesso, no ano passado, de 'Lucy', de Luc Besson, que fez 1,77 milhão de espectadores. Com esse resultado, a mistura de thriller e sci-fi ficou em 26º lugar na bilheteria do ano. Só há dois filmes não americanos a ocupar as primeiras 25 colocações da lista: os brasileiros 'O candidato honesto' (22º colocado) e 'Os homens são de Marte' (25º colocado).
Neste ano, o Festival Varilux exibiu 16 longas num circuito de 80 salas em 49 cidades. O público total, de 110 mil pessoas, foi 13% maior do que em 2014. “Acho que isso tem a ver com o exibidor. Para que os filmes cheguem ao público, o primeiro passo é o exibidor. Ainda existe medo de o filme francês não dar dinheiro (como o norte-americano), mas, com uma ação conjunta, a situação é diferente.”
Boudier chama a atenção para resultados positivos em cidades como Juiz de Fora, em que o Varilux foi visto por 4 mil pessoas. Ele diz que o evento chega hoje a um número maior de cidades por causa do processo de digitalização em curso do parque exibidor. “(A digitalização) Mudou a realidade da distribuição. No passado era muito difícil, porque havia cinemas que só tinham uma sala digital, para 3D, e a ocupação era dos filmes americanos.”
O “império americano” do cinema é, na opinião de Boudier, uma coisa “arrasadora” para produções de outros países. “Com os orçamentos de marketing é impossível fazer concorrência.” No interior, diz ele, a situação é muito pior, já que há um número pequeno de salas que acabam abrigando exclusivamente os blockbusters.
Boudier, no entanto, vê uma luz no fim do túnel. “Quando a oferta é grande demais, acaba havendo uma uniformidade. O problema é quando você tem uma rua só com McDonald’s, o público vai querer outra opção. Se abrir um restaurante francês ou indiano, ele vai funcionar. Está havendo uma saturação no mundo todo.”
A boa repercussão do Festival Varilux fez com que alguns distribuidores passassem a esperar o evento para programar a estreia comercial dos filmes. Assim, longas exibidos no evento são lançados na sequência no circuito comercial. Nesta quinta, por exemplo, estreia 'Beijei uma garota', comédia romântica sobre um homem que está noivo de outro e acaba se apaixonando por uma mulher. O filme foi uma das atrações do festival, assim, como 'Que mal eu fiz a Deus?', que estreia no próximo dia 8 e foi o segundo título mais visto no Varilux, com 13 mil espectadores – atrás de 'Samba', com 15 mil, já em cartaz.
“O francês é um cinema que consegue existir como tal. Já os cinemas alemão, espanhol e italiano existem enquanto fenômeno. Almodóvar é um exemplo”, afirma Boudier. A tradição cinematográfica francesa é inconteste, e sua produção anual esbarra em 250 filmes. No entanto, só uma pequena parte é “exportável”, algo em torno de 20%. “Mesmo que um filme seja um blockbuster na França, aqui ele chega como filme de arte”, afirma Bernardini, discordando da ideia de que a imagem que o brasileiro faz do filme francês tenha mudado.
Placar nacional
Confira lançamentos de filmes no Brasil
Primeiro trimestre de 2015
- 1º) EUA, 97 lançamentos
- 2º) Brasil, 71 lançamentos
- 3º) França, 24 lançamentos
2014
- 1º) EUA, 244 lançamentos
- 2º) Brasil, 180 lançamentos
- 3º) França, 78 lançamentos
Fonte: Ancine
Avant Première
A Imovision está fazendo algumas ações promocionais para lançar produções francesas de impacto. Nesta quinta, chega aos cinemas brasileiros 'Adeus à linguagem' (2014), primeira incursão de Jean-Luc Godard em 3D. Para tal, a distribuidora promoveu no fim de semana passado pré-estreias no Rio e em São Paulo, com a presença dos dois protagonistas, Héloïse Godet e Kamel Abdeli. Já na madrugada de 5 para 6 de setembro, a distribuidora lança, em sessões à 0h01, Love, de Gaspar Noé, o filme que mais “causou” em Cannes neste ano. O título em português, 'Transa 3D', é autoexplicativo. O longa do diretor de 'Irreversível' é de sexo explícito e em três dimensões. A data da première brasileira não foi escolhida à toa: 6/9 é considerado o Dia do Sexo.