Ouro Preto – O CineOP- Mostra de Cinema de Ouro Preto sempre foi espaço de reivindicação. Até porque, a necessidade de preservação da memória do audiovisual brasileiro, “do Brasil cinematográfico”, como quer Raquel Hallak, criadora do festival, e sua difusão, ainda estão longe de ser práticas cotidianas. A 10ª edição do evento, aberta ontem, acrescentou a esta mirada um convite para que se desloque o olhar do centro para as margens. Mais precisamente, para perceber três personagens que todos conhecem, mas que raramente têm a condição de protagonistas: o ator negro, o restaurador de filmes e o professor.
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A abertura do CineOP, como de hábito, foi festiva e performática. Desta vez, as estrelas da apresentação foram os músicos Maurício Tizumba e Benjamim Abras, a cantora Laís Lacorte e o senegalês Ibrahima Gaye, valendo-se de instrumentos, canto, textos e dança para mostrar a força do afro-brasileirismo. O filme escolhido para a abertura do festival foi 'A rainha diaba' (1974), de Antônio Carlos Fontoura. Colocando na tela uma violenta guerra entre traficantes, o longa tematiza a luta pelo poder, com visualidade exuberante, história envolvente e elenco dando um show.
'A rainha diaba' foi uma encomenda ao dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999). “Nasceu sendo precursor dos caminhos que o cinema brasileiro iria tomar. Hoje, é um filme contemporâneo, transcultural, transgênero, o que o torna algo muito novo”, disse Fontoura. O diretor afirmou que, ao convidar Milton Gonçalves para o papel de Rainha Diaba, ficou com receio, pois ele “era muito certinho”. O ator mostrou o roteiro à família antes de topar a empreitada. O elenco era formado por amigos (o diretor era casado com Odete Lara, que está na tela).
"O cinema era o sonho de ser amado"
“Sempre que o nome da gente é lembrado, é muito bom. É um momento de alegria”, afirma Milton Gonçalves sobre ter sido escolhido como homenageado pelo CineOP. “Estou na TV Globo desde 1965. Quando você olha todo o crescimento do audiovisual no Brasil, dá orgulho. Sinto que participei desse processo, que dei minha contribuição para ele.”
O cinema sempre teve um papel na vida de Milton Gonçalves. A mãe do ator o estimulava, ainda criança, a ir ao cinema. Nessa época, os seriados eram a programação habitual. “E vinha a vontade de ser herói, de heroísmo. O cinema era o sonho de ser amado, respeitado, homenageado pelo público. Levei tempo para entender por que não havia heróis negros, por que éramos tratados como bobos”, diz. “Os filmes eram, ainda, o mundo vindo a mim, me mostrando o comportamento do mundo”, acrescenta.
Um momento especial em sua carreira foram as múltiplas premiações pelo papel-título em 'A rainha diaba', de Antônio Carlos Fontoura. “Imagine alguém como eu, vindo de Monte Santo de Minas, que teve uma vida difícil, estar no Rio de Janeiro ganhando prêmios importantes. Quando subi ao palco, o público se levantou e me aplaudiu de pé. Até hoje fico emocionado ao lembrar”, conta. A nota dolorosa era a impossibilidade de ter ao lado sua mãe, já falecida. Milton levou o filho para a cerimônia.
“Queria ter feito mais filmes, mas não existiam personagens negros como protagonistas. O que havia eram participações ou o folclore, o que é complicado”, observa o ator. “Quando você começa a fazer arte, você vê outro mundo. Ser ator de cinema é ver o seu rosto na tela, o que é fantástico. É um salto qualitativo no sentido de integração sem humilhação”, afirma.
“Ainda faltam filmes que nos mostrem como partícipes da civilização brasileira. Somos metade da população. Temos de estar em todas as manifestações”, diz Milton, apontando a falta de personagens bons, profundos, de respeito. “Quando eu era jovem, a situação era ainda pior”, observa. “Não víamos o brasileiro negro nos filmes, como ainda tínhamos de brigar para ser respeitados como cidadãos.” Milton chegou a ser barrado em um clube e ouviu de um policial que o abordou que a Avenida Paulista não era lugar para negro passear.
Milton Gonçalves avisa que não é militante, não está chorando e que a briga pelos direitos dos afro-brasileiros foi positiva. Considera importante que o CineOP esteja colocando o tema da memória do cinema brasileiro: “Vai mostrar que está faltando na tela um copartícipe. E que o negro precisa ler, estudar, trabalhar, para se afirmar na tela, no palco, na televisão”. Recorda que muitos, apesar de tudo isso, acabaram esquecidos. Manda outro recado: “Eu fiz a minha parte, cumpri minha missão de abrir caminhos. Aagora outros precisam se sentir partícipes desta história”.
CINEOP - PROGRAMAÇÃO DE HOJE
11h30 – Cortejo, saída da Praça Tiradentes
Cine Vila Rica
15h30 – Curtas dedicados ao público infantojuvenil (Cine Vila Rica)
17h30 – 'Ganga Zumba', Carlos Diegues (Cine Vila Rica)
19h30 – 'Reencontro com o cinema', de Rafael de Luna Freire, e 'Antes, o verão', de Gérson Tavares
22h – 'A paixão de JL', de Carlos Nader
23h30 – Curtas-metragens
Cineteatro do Centro de Convenções
14h30 – Curtas produzidos por educadores e estudantes
17h30 – Mostra Horizonte (curtas)
Praça Tiradentes
19h – Curtas-metragens
20h30 – 'My name is now, Elza Soares', de Elizabete Martins Campos