“A vida é curta e a regra é ‘sem pressões’”, disse Nakache, apoiado pelo parceiro. Apaixonados pela música brasileira, eles dizem seguir à risca o versos “(...) take it easy my brother Charlie” cantados por Jorge Benjor. “Não tem por que estressar. Todo mundo sonha com o sucesso. Todo mundo continua depois disso. O mais importante é ter responsabilidade com o tema. Ser verdadeiro com nós mesmos. O que você quer fazer, contar e filmar hoje”, completa.
A dupla não perde o humor nem o direcionamento que pretende para a carreira. Os temas sociais são o forte de 'Samba'. Se os diretores classificam 'Os intocáveis' como uma comédia com drama, agora fazem o inverso. O nome do filme é o mesmo do protagonista, personagem de Sy. Batizado como uma homenagem à dança, ele é um senegalês vivendo ilegalmente em Paris e que tenta sobreviver como pode. Em meio aos bicos, convive com a executiva Alice (Charlote Gainsbourg) e o colega (Tahar Rahim) que se passa por brasileiro.
Os diretores afirmam que em nenhum momento pensaram em fazer uma continuação para 'Os intocáveis', cujo sucesso fez a atenção de Hollywood se voltar para eles. Eles dizem que consideram filmes em sequência como receitas de bolo, não cinema. Mesmo assim, receberam – e leram – vários roteiros americanos. Foram e voltaram de Los Angeles para reuniões.
“Mas temos algo especial na França: liberdade”, diz Toledano. “(Hollywood) Não é para a gente. Talvez mais para a frente. Queremos fazer um filme em inglês, mas do nosso jeito”, completa. “Prefiro estar no sistema de arte a estar no do marketing, do negócio. Enquanto eu viver neste mundo, estarei tranquilo comigo mesmo”, acrescenta Nakache.
Os dois se conheceram em um acampamento de férias, em 1995. Desde então, são amigos e coautores. Já fizeram cinco filmes juntos. No permanente tom de brincadeira, garantem que não há qualquer disputa no set. Dizem ser linha dura. “Escolhemos até o lanche”, conta Nakache.
Enquanto 'Samba' começa a circular no exterior, o próximo roteiro da dupla está sendo desenvolvido, novamente com o olhar voltado para as questões atuais, sobretudo as de seu país. Desta vez farão uma comédia, nos moldes do humor negro que o diretor argentino Damián Szifrón usou em 'Relatos selvagens' (2014).
“Com temas sociais, porque sempre estarão presentes. Temos que falar sobre o nosso país, a nossa sociedade. É um mix. Mas talvez seja mais divertido. O mundo em que estamos vivendo tem problemas muito tristes. Precisamos de pessoas alegres para suportar”, diz Nakache.
l A repórter viajou a convite do Festival Varilux
TIPO EXPORTAÇÃO
Se os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache permanecem firmes em defesa do cinema francês, o ator Omar Sy já partiu de mala e cuia para a América do Norte. “Eles nos roubaram”, brinca Toledano. O astro está em Jurassic World: o mundo dos dinossauros, que acaba de estrear. Ano passado, fez Risco imediato e X-Men: Dias de um futuro esquecido.
PROGRAMAÇÃO DESTE SÁBADO
Confira as atrações do Festival Varilux em BH
BELAS ARTES
13h30 – De cabeça erguida
15h45 – Asterix e o domínio dos Deuses
17h25 – O homem do Rio
19h30 – Hipócrates
21h25 – Sexo, amor e terapia
PONTEIO
13h45 – Asterix e o domínio dos Deuses
15h25 – O preço da fama
17h35 – Que mal eu fiz a Deus?
19h25 – Samba
21h40 – Gemma Bovery – A vida imita a arte
Madame Bovary ganha releitura
Em sotaque lisboeta, a diretora francesa Anne Fontaine avisa que pode ser que o português lhe falte à memória. Anne aproveita a oportunidade de estar pela primeira vez no Brasil, onde veio divulgar seu longa Gemma Bovery – a vida imita a arte, para praticar o português. É no nosso idioma que ela quer falar sobre as motivações que a aproximaram do romance clássico de Flaubert.
No longa, em cartaz no Festival Varilux, Madame Bovary é pano de fundo para contar uma história contemporânea no interior da França. A inglesa Gemma Bovery (Gemma Arterton) se instala num lugarejo com o marido Charles (Jason Flemyng). Intrigado com a coincidência dos nomes dos novos moradores e dos personagens fatídicos da literatura, o padeiro Martin Joubert (Fabrice Luchini) começa a achar que a vida imita a arte.
“Quando descobri essa adaptação, eu me senti próxima ao personagem do Martin, porque um diretor de cinema sente que a ficção é mais forte do que a realidade. Fiquei muito tocada com ele, um homem apaixonado pela literatura, que pensa poder manipular o destino”, comenta a cineasta.
Anne Fontaine começou a carreira como atriz, na década de 1980. Exigente, disse que nunca levou jeito para atuar. Enquanto intérprete, preocupava-se em analisar mais as atuações dos colegas do que a si própria. Assim se revelou o perfil da diretora. “Não tenho nenhuma melancolia ou saudade dessa época”, garante.
Durante a breve estada no Rio de Janeiro, ela ofereceu uma master class para novos realizadores. A elegante diretora responsável por obras como Lavagem a seco (1997) e Coco antes de Chanel (2009) fez questão de deixar claro que não estava ali para ensinar, como faria um pedagogo, por exemplo, mas sim para uma troca de experiências.
“O primeiro filme tem que ser algo pessoal e singular. Depois, é preciso conquistar uma convicção profunda sobre o seu trabalho e saber dizer não. Em um primeiro momento, sofre-se influência dos produtores, mas é preciso ir em frente sozinho, até criando indisposições”, recomenda ela, que faz questão de manter rédeas firmes em seus projetos.
Afeita a experimentar novas culturas, ainda mais se isso envolver cinema, ela tem investido em coproduções. Fez na Austrália Amor sem pecado (2013), protagonizado por Naomi Watts e Robin Wright, estrela de House of cards. A próxima experiência também será fora da França. Os inocentes foi filmado na Polônia, com 28 artistas daquele país e apenas três franceses. “Já rodei e estou montando. Foi difícil. É uma equipe diferente e outra cultura”, conta.
Em nenhum momento da conversa Anne Fontaine se perde no português, de sotaque sempre muito marcado. Isso porque seu pai era organista da Catedral de Lisboa. A família viveu à beira do Rio Tejo até quando ela completou 15 anos. Vez ou outra, ela retorna a Portugal para rever amigos. Do Brasil, até então só tinha curiosidade. “A cultura francesa e a brasileira têm uma empatia qualquer. Por isso os filmes franceses encontram público no Brasil”, avalia.