O retorno do diretor George Miller à franquia que o fez famoso na década de 1980 deve ser encarado hoje, principalmente, sob o ponto de vista da atualização tecnológica. Desde que Mel Gibson apareceu entre os caminhões empoeirados no primeiro Mad Max (1979) até a atual saga protagonizada por Tom Hardy e Charlize Theron, são inegáveis os avanços do cinema em efeitos especiais, pós-produção e afins. Por isso, é natural que nenhum dos três filmes anteriores chegue perto do que agora vai para as telas em Mad Max: Estrada da fúria, em cartaz desde a última quinta.
A vantagem, no entanto, é restrita à evolução da técnica. Assim como muitos de seus contemporâneos que também aderiram ao 3D, o quarto longa da série é um superfilme de ação e ponto. Eis aí a dor e a delícia desta saga. São 120 minutos de fugas e perseguições esquizofrênicas que você vê e se pergunta como conseguiram fazer isso. Praticamente uma performance interminável, em cenário pós-apocalíptico, com direito a flertes com shows de rock, um cardápio variado de explosões e, curiosamente, pouco sangue.
Estrada da Fúria foi pensado para ser assim, sem diálogos, e, se bobear, perde-se até o fôlego no cinema. A proposta era ousada: não sendo uma continuação, o quarto longa tinha a missão de reformatar seu herói usando elementos das tramas anteriores. À medida que decide suprimir a palavra, é preciso que a forma dê conta de transmitir a história. Não é esse o caso.
O problema é que a obsessão pela forma é tão grande que os novos espectadores da saga de Max Rockatansky ficam a ver navios. Ou se concentra – e vibra com as peripécias das perseguições – ou se boia completamente na trama. Vale dar um Google para saber do que se trata. George Miller não conta nada. Apresenta-se um espetáculo visual e, dele, quem quiser que deduza a história, interprete seus heróis e anti-heróis. Em resumo, é uma obra para degustação de fãs experientes.
Os motivos que levaram a imperatriz Furiosa (Charlize Theron) a preparar um caminhão-tanque e sair disparada pelo deserto são tão ocultos quanto aqueles que envolvem a captura de Max (Tom Hardy) e seu confinamento em uma espécie de estufa de extração de sangue. Também é uma incógnita a idolatria ao vilão Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), o culto às mulheres (que, aliás, mais parecem ter sido selecionadas para um editorial de revista de moda do que para um filme de ação).
Tom Hardy é bem sem sal, a ponto de você não acreditar em nada do que ele diz ou faz. Ou seja, é até sacanagem comparar com Mel Gibson, que tem nesse personagem uma das imagens-ícone de sua carreira. Charlize Theron tem olhar mais expressivo, mas, ainda assim, parece amarrada na sisudez de Furiosa.
Os carros, marca registrada da franquia Mad Max, continuam grandes, potentes e empoeirados. Prato cheio para as explosões. De tão recorrentes, porém, vão perdendo força com o passar da trama. Cabe à trilha sonora a função de tentar sustentar a ‘‘emoção’’ do espectador.
Em meio a tanta pirotecnia, a principal atualização de conteúdo feita pelo diretor George Miller é, aliás, bem sintonizada com a realidade brasileira: “Não fiquem dependentes da água. Sofrerão com a ausência dela”, avisa Immortan Joe.
Charlize Theron reclama da 'maldição da beleza'
No Festival de Cannes para divulgar Mad Max, exibido na última quinta, a atriz Charlize Theron falou sobre o diretor e seu papel. “Esse homem (George Miller) é uma lenda. Fez Mad Max e Happy feet. Mais de 30 anos depois, voltou ao universo apocalíptico de Max, mas não para se repetir. Criou essa guerreira que é uma das personagens mais fortes e difíceis que já fiz. Furiosa quase não fala. Age. É muito difícil revelar o interior só por olhares e gestos.”
Embora no filme ela bata e arrebente como macho, em Cannes voltou a ser uma das mais belas – e desejadas – mulheres do mundo. “Creio que George (Miller) ame as mulheres. Sempre foi sua ideia fazer delas o motor de Estrada da fúria. De certa forma, somos a esperança nesse futuro que não existe. O advogado inglês Christopher Vicenzi, um grande humanista, diz que ainda existe pobreza no mundo porque nós (mulheres) não estamos no poder. George compartilha de sua visão. É o lado mais político de Estrada da fúria”, afirmou.
Como foi filmar na Namíbia? “Os próprios nativos reconhecem que se trata de um dos lugares mais infernais do mundo. Ouvi de um deles que é o único lugar de onde Deus se ausentou. Ficamos meses naquele deserto, com ocasionais viagens à civilização. E George ama o realismo. Filmamos em carros de verdade, que capotavam. Saltávamos amarrados por fios, que depois foram apagados na pós-produção.” Furiosa, tão selvagem, tem alguma coisa a ver com suas personagens anteriores? “Tudo. Só me transformei uma vez, e ganhei o Oscar pelo papel em Monster. Mas em vários outros filmes interpreto mulheres sombrias, disfuncionais. Acostumei-me a ser sobrevivente no mundo masculino. Ou vocês pensam que é fácil ver os outros duvidarem de seu talento só porque é bonita? É a maldição que atinge muitas mulheres. Se somos belas, não podemos ser competentes.” (Agência Estado)