Cinema

Começa nesta quarta-feira em BH compacto do festival É Tudo Verdade

Com seleção de 20 títulos e homenagens a Orson Welles e Vladimir Carvalho, mostra de documentários que comemorou duas décadas em São Paulo chega à capital mineira

Walter Sebastião

'Drone', produção norueguesa de Tonjen Hessen Chei, está na mostra 'O estado das coisas'
'Drone', produção norueguesa de Tonjen Hessen Chei, está na mostra 'O estado das coisas'
“Documentário é o gênero de cinema que mais oferece surpresas ao espectador. Como não carrega o fardo comercial posto sobre a ficção, os diretores ficam mais livres para abordar diversos temas com os mais distintos formatos e pontos de vista”, afirma Amir Labaki, diretor do festival É Tudo Verdade.


“Nosso objetivo é apresentar ao público os caminhos do documentário no Brasil e no mundo e um pouco da história do gênero”, afirma o criador da mostra, que apresenta pela quarta vez em  Belo Horizonte um compacto de sua programação, desta quarta-feira a 4 de maio, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).


A atual edição do É Tudo Verdade comemora três datas: os 100 anos de nascimento de Orson Welles (1915-1985); os 80 anos do paraibano Vladimir Carvalho e os 20 anos de sua própria existência. A programação pontua uma tendência importante: a revisão e o reencontro com obras, artistas e produções do passado.

“Vladimir Carvalho é o grande cineasta do povo nordestino e o mais importante cineasta brasileiro em atividade”, diz Labaki. Prova disso, segundo ele, está em 'O país de São Saruê', que será exibido na sexta-feira. O documentário enfoca trabalhadores nordestinos. Rodado em 1966, acabou sendo proibido pela censura da ditadura militar em 1971.

“É um filme inovador do ponto de vista formal, pelo modo como constrói a narrativa, valendo-se de músicas, poemas e entrevistas, que não era comum quando ele foi realizado”, analisa o diretor do festival. Para Labaki, o cineasta paraibano é um elo entre o documentário dos anos 1950, produzido no contexto do Cinema Novo, “e a nova geração, que, com recursos digitais, faz documentários vigorosos”.

HISTÓRIA Foi a admiração por documentários e a dificuldade de ver as produções que, há 20 anos, levaram Amir Labaki a criar o festival É Tudo Verdade. Era uma época em que a  produção de documentários crescia no mundo e também no Brasil. “Havia interesse do público pelos filmes, mas não uma janela de exibição. Então decidi criar evento que aproximasse realizadores e público”, diz o diretor.

Fazendo um balanço do que mudou nesse tempo, Labaki diz: “Em 1995, só dois longas documentários foram exibidos no cinema. Atualmente, mais de 50 deles chegam às telas (por ano). A situação, desde que começamos, mudou radicalmente. E o É Tudo Verdade faz parte desse processo”, orgulha-se.

Assim como “todo o cinema”, o documentário também sofreu impacto das novas tecnologias de produção, observa o diretor. Formas de produção mais baratas, equipamentos mais ágeis permitiram filmes que têm relação mais intensa, íntima, detalhada e diversificada dos personagens e temas dos filmes.

'Carregador 118', de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques, é uma produção mineira
Vencedor brasileiro abre a mostra

Em janeiro de 1990, aos 33 anos, o artista José Leonilson (1957-1993) começa a gravar, em fitas cassete, um diário. A partir daquele ano registra comentários sobre os acontecimentos à sua volta, seja a queda do muro de Berlim (1989) ou o impeachment de Fernando Collor (1992). Leoninson também faz ao gravador considerações sobre temas caros a ele – arte, amor, homoerotismo etc. Esse projeto de autobiografia se tornou matéria-prima do filme 'A paixaõ de JL', de Carlos Nader, que abre a edição mineira do É Tudo Verdade amanhã.

“O filme é a história de um homem que queria ser artista, viver e amar. Um homem que, quando consegue encontrar um parceiro, descobre que tem o vírus da Aids”, explica Carlos Nader, que conheceu e foi amigo de Leonilson.

A narrativa, explica o diretor, é construída pela voz de Leonilson, sem imagens dele, e imagens ligadas àquilo de que ele fala. Surgem registros que vão desde obras do artista até trechos de filmes, para recriar vida e obra de Leonilson e o mundo em que ele viveu.

“É a fala do artista, não do homem Leonilson. O eu, tantas vezes repetido na tela, é o mesmo que está nas obras dele”, enfatiza Carlos Nader. Ao fazer o longa, conta, até pensou em discutir, ouvindo os amigos, quem seria a pessoa que fala. Mas prefiriu ficar só com as falas do artista. Pela força, potência, sensibilidade e autenticidade do que é  dito. “Existe uma mistura da vida de Leonilson com a obra dele, que não era comum quando ele começou”, observa, lembrando que o artista chegou a receber críticas por ser pessoal demais.

A paixão de JL foi o vencedor do É tudo Verdade 2015 na categoria Melhor Documentário Brasileiro de Longa-metragem. É o terceiro prêmio, no evento, do diretor Carlos Nader, vencedor também com Homem comum (2014) e Pan-cinema permanente (2008). Recorrente nas produções dele é o tema da morte e ressureição, “como se a arte vencesse a morte”, observa. “Gosto, ainda, de misturar todos os tons de cinza que existem entre a ficção e o documentário.”

É Tudo Verdade 2015
Abertura, nesta quarta-feira, com a exibição de A paixão de JL, de Carlos Nader, às 19h. Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Praça de Liberdade, 450 – Funcionários, (31) 3431 – 9400. Entrada franca (o local tem 80 lugares). Depois da sessão, bate-papo com o diretor do filme e com o organizador do mostra, Amir Labaki. Programação completa em www.etudoverdade.com.br.