Filmes lançados nos últimos anos ('Branca de neve e o caçador', 'A garota da capa vermelha', 'Frozen', 'Valente', 'Malévola', 'Caminhos da floresta' ou até mesmo 'Shrek') trouxeram abordagens diferenciadas sobre os contos de fadas e histórias de princesas, seja em direção a discussões feministas, à iconoclastia, à sátira, à erotização ou a discussões éticas. Dirigido por Kenneth Branagh ('Thor', 'Muito barulho por nada'), 'Cinderela' retrocede nesse quesito, mas consegue fazer isso sem soar ultrapassado. Ao contrário, ele inova justamente por enfatizar o poder de deslumbramento original desse universo mágico, nascido do folclore europeu e da imaginação de autores como os Irmãos Grimm e Charles Perrault.
Do ponto de vista humano, o filme oferece verossimilhança emocional aos personagens graças ao trabalhos alguns atores, principalmente Cate Blanchett, que interpreta a figura conhecida como a "Madrasta Malvada". Ela continua como vilã, realmente má, mas desta vez há uma elegância (nos trejeitos e no figurino) e uma certa inteligência que ainda não havia sido explorada e de alguma forma justifica o interesse despertado no pai de Cinderela (Ben Chaplin).
Lily James dá corpo e voz a Cinderela. O trabalho da atriz transmite a ingenuidade e a pureza da menina, sem maiores méritos ou prejuízos. A construção de sua personalidade, no lugar de sugerir uma bondade quase mágica, justifica seu comportamento compreensivo a partir dos ensinamentos que ela recebeu da mãe (Hayley Atwell). O filme, assim, reconstrói uma lição (uma mensagem) presente na obra original, mas ainda não tão realçada: a importância do perdão, da paciência, da calma, da gentileza e do controle emocional, uma filosofia de vida que remete até mesmo a culturas orientais (como na paz de Gandhi, vencedor de guerras sem o uso da violência ou do ódio).
O filme tem algumas modernizações oportunas, como a presença de negros tanto em meio à nobreza quanto entre os plebeus. A sociedade ainda é essencialmente branca (pois o cenário é europeu em algum século passado), mas há afrodescendentes inclusive na esfera do poder. Branagh já havia tomado atitude semelhante em 'Muito barulho por nada', comédia de Shakespeare onde Denzel Washington é um dos protagonistas.
Em relação ao desenho animado de 65 anos atrás, uma das maiores mudanças é a caracterização da Fada Madrinha, que agora não parece uma vovozinha. Mais jovem, ela é interpretada por Helena Bonham Carter, que a recria com mais humor e ironia, como se fosse uma personagem do mundo da moda (afinal, uma de suas funções é criar um novo "look" para a gata borralheira, pelo menos até a meia-noite).
O príncipe (Richard Madden) é bastante convencional, sem subversões ou provocações de gênero (Cinderela realmente o espera de forma praticamente passiva), mas também sem idealizações... Pelo menos parece ser uma pessoa de confiança. A abóbora-carruagem está diferente, desta vez dourada, e os sapatinhos de cristal brilham de forma quase holográfica. Os vestidos também foram bastante modificados (as referências ao desenho animado não são diretas como em 'Malévola'). O que fica mais forte da animação são os ratos, lagartos e gansos, que protagonizam algumas das cenas mais divertidas quando são transformados em humanos.
Estratégia
'Cinderela' tem chances de ser maior campeão de bilheterias no cinema em 2015 e, para reforçar essa expectativa, a Disney resolveu lançar o filme junto com o curta-metragem 'Febre congelante', exibido no início das sessões. O filminho reúne os personagens da animação 'Frozen' (2013) para os preparativos do aniversário da princesa Anna, que tem tudo para ser um dia perfeito.