Cinema tem destas coisas, o que parece nem sempre é. Filmes conseguem a mágica de levar o público a viajar sem pegar estrada, navio ou avião. E, muitas vezes, até passear por dentro de si mesmo, longe do divã do analista ou da mesa de botequim. 'O segredo dos diamantes', novo longa de Helvécio Ratton, parece ter sido rodado em uma bucólica cidade do interior de Minas, com passagens por Belo Horizonte, mas não é bem assim. Foi filmado em nada menos que seis localidades do estado, além da capital.
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No mundo criado por Ratton, é possível estar em frente à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Serro, e, ao abrir a porta, sair direto dentro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Sabará. Em outro momento, em apenas uma sequência os personagens passam por Moeda, Serro e São Gonçalo do Rio das Pedras. As montanhas de Minas também têm seu lugar na trama, que envolve um garoto e dois amigos na busca de um tesouro para salvar a vida do pai de um deles. Logo na primeira cena avista-se ao fundo a Serra do Camelinho, na BR-256. Em Milho Verde, há bela sequência com a Serra do Espinhaço ao fundo. Sem falar na Cachoeira do Comércio, na entrada de São Gonçalo, momento tenso da história.
Foram seis semanas de deslocamentos de uma equipe de cerca de 60 pessoas e o resultado é um filme de aventura que aposta na força da solidariedade e na poesia, e que tem o estado como pano de fundo, revelado de maneira espontânea. A Ratton não interessa um desfile turístico das Minas Gerais. Ele quer conversar com aqueles que ainda acreditam em “tesouros”, ao mesmo tempo em que mostra que numa cidade pacata, em meio a moradores inocentes, há vilões e interesses escusos iguaizinhos aos da cidade grande. A aventura poderia se passar em qualquer lugar, melhor que tenha sido filmada em Minas, quase nunca mostrado no cinema.
MÁQUINA DO TEMPO Helvécio Ratton nasceu em Divinópolis, mas só viveu por lá até os 2 anos. A família se mudou para Peçanha, onde ficou por quatro anos. Aos 6, ele já vivia em Belo Horizonte, que adotou como sua cidade. Ratton não se esquece quando, aos 4 anos, conheceu com o pai o queijo de Minas, no Serro, região que mostra no documentário 'O mineiro e o queijo' (2011). Suas andanças por lá fizeram com que se familiarizasse bastante com a paisagem local, tanto que a escolheu para cenário de 'O segredo dos diamantes'.
A direção de fotografia é de Lauro Escorel e a direção de arte, de Adrian Cooper. “'O segredo dos diamantes', minha primeira incursão em projeto para o público infantojuvenil, foi mais uma dessas experiências enriquecedoras. A construção da narrativa fotográfica partiu da ideia de pensarmos a cidade do Serro como ‘uma máquina do tempo’, na qual nosso personagem mergulhava”, conta Escorel. “Para isso, começamos apresentando uma imagem próxima ao cartão-postal para, em seguida, ir revelando o que se esconde por trás da aparente tranquilidade das fachadas do vilarejo do século 17. O passado e o presente se encontram neste filme” afirma Escorel.
Salvos pelo estômago
O diretor mineiro conta que, em princípio, ia filmar em Diamantina ('Dança dos bonecos', de 1984, foi rodado em Biribiri), mas quando esteve no Serro (“uma cidade virgem no cinema”) ficou encantado e decidiu gravar no lugar, que se tornou QG da equipe (eles se deslocavam para os outros locais de filmagem). “A infraestrutura era pequena para uma equipe grande, nos dividimos em pousadas, alugamos uma casa para os atores que estavam sempre indo e vindo”, conta Ratton, dizendo que os problemas que surgiram foram superados com o apoio da prefeitura e dos moradores, e “com as comidas saborosas, como as servidas por Dodô e a mãe dele”. Muita carne de porco e feijão-tropeiro depois, a equipe (principalmente os paulistas) engordou.
Um problema de última hora levou Ratton a escolher nova locação para a casa da avó de Angelo (Matheus Abreu), último papel da atriz Manoelita Lustosa. As filmagens da casa da avó seriam em Diamantina, mas tiveram que ser transferidas para Guanhães.
Todo esse passeio que 'O segredo dos diamantes' faz por Minas e aparece de forma tão sutil, pode acreditar, deu trabalho. Foi fruto de pesquisas e troca de ideias. “Tem muito também da cabeça dos diretores de arte e de fotografia. É preciso fazer as conexões possíveis. Temos que pensar: estamos diante desta casa no Serro, que é um sebo, será que aquele interior (filmado na Crisálida, no Maleta, em BH) combina?. A pré-visualização é muito importante. Da mesma forma que mostrar a fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Serro e, por dentro, a sacristia da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Sabará (a do Serro estava em reforma)”, explica Ratton.
Em Belo Horizonte, o diretor filmou a Avenida Afonso Pena do alto, “pois queria um ponto de vista de uma cidade grande, com muitos carros. Imagem que vai dar lugar ao Parque Municipal, para marcar bem a diferença do interior para a capital”. O cineasta diz ter uma relação muito afetiva com o território mineiro. “Conheço as cidades e estou sempre me surpreendendo. Já filmei Diamantina, São João del-Rei e Tiradentes. Conheço muito Ouro Preto, mas nunca havia filmado o Serro. O que sinto é que Minas oferece locações variadas. Temos cenários coloniais e a natureza, e uma história ligada às pedras. Quisemos marcar muito tudo isso.”