Se Cazuza levou três milhões de pessoas ao cinema há 10 anos, por que muito menos gente foi assistir ao filme sobre Tim Maia, ídolo com carreira muito mais extensa? Maior país católico do mundo, era de se esperar que multidões de brasileiros corressem às salas de exibição para conhecer a trajetória de Irmã Dulce. Por fim, se Olga Benario, a jovem militante comunista, arregimentou três milhões de espectadores, seu algoz, Getúlio Vargas, o presidente que mais tempo ficou no poder, deveria ao menos conseguir público semelhante.
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“Não sou um estudioso de cinema para elencar os problemas, mas há várias razões. Elas estão tanto nos filmes quanto, se puder especular um pouco, em certo baixo astral do Brasil em relação a si mesmo. O público está mais a fim de esquecer qualquer dado de realidade”, afirma Bruno Wainer, da Downtown Filmes, que distribui Tim Maia. Seis semanas depois do lançamento em 500 salas, o longa de Mauro Lima alcançou 800 mil ingressos vendidos.
Inédita
A situação, em menor proporção, é a mesma de 'Irmã Dulce', de Vicente Amorim. Lançado em 104 salas, o longa teve até agora 200 mil espectadores. “A gente sempre soube que iria lançar algo sem precedentes por aqui (nunca houve cinebiografia de um religioso católico no país). Então, não tínhamos outra produção na qual nos mirar”, comenta a produtora Iafa Britz. A estratégia contemplou primeiramente o Norte e o Nordeste, onde a religiosa é mais conhecida. Só depois houve lançamento no restante do Brasil.
“Irmã Dulce tinha mais potencial de público, mas seria uma irresponsabilidade dizer que um motivo ou outro não levou as pessoas ao cinema. Na minha opinião, 2014 foi muito ruim para o cinema brasileiro como um todo, um ano um tanto disperso em função do que ocorreu no país”, acrescenta Iafa, referindo-se à Copa do Mundo e às eleições. “Todos dividimos um problemão”, afirma, referindo-se a dramas, cinebiografias e comédias.
Os filmes sobre Tim Maia e Irmã Dulce são cinebiografias tradicionais, que buscam apresentar toda ou boa parte da trajetória do personagem. Outros longas optaram por recortes bem específicos sobre a vida dos biografados. Getúlio foi o mais radical: o diretor João Jardim retratou os últimos 19 dias de vida do ex-presidente, do famoso atentado da Rua Tonelero ao suicídio.
Ao contrário dos colegas, Jardim se diz satisfeito com a bilheteria alcançada – pouco mais de 500 mil espectadores e lançamento em 168 salas. “Superou a nossa expectativa, ainda mais porque se tratava de um filme político totalmente realizado dentro do mesmo ambiente (Palácio do Catete)”, diz. Protagonizado por um dos atores mais conhecidos da TV brasileira – Tony Ramos, em grande momento –, Getúlio interessou a Jardim mais pela temática do que propriamente pelo personagem.
Incógnita
Outra cinebiografia com esse perfil que, apesar de bem realizada, não funcionou foi Trinta, de Paulo Machline. A produção conta o início da trajetória do carnavalesco Joãosinho Trinta – jovem pobre que deixa o Maranhão para virar bailarino do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. “O filme cumpriu seu papel, pois falou da força criativa do Joãosinho de uma maneira pouco conhecida. Mas qualquer coisa que eu disser é reducionista, pois ninguém sabe por que um filme dá certo ou não em termos de bilheteria. A questão é: o cinema nacional ainda tem espaço restrito nas salas. Isso influenciou tanto no caso de Trinta quanto de todo o cinema nacional”, explica o produtor Matias Mariani.
Do futebol aos palcos
A despeito dos números pouco estimulantes de 2014, a produção de cinebiografias continua em alta. Há vários projetos em pauta. Depois de frustrado o lançamento durante a Copa do Mundo, é aguardada para 2015 a estreia de Pelé, produção norte-americana dirigida pelos irmãos Michael e Jeff Zimbalist.
A narrativa parte da infância do ídolo do futebol até o momento em que, aos 17 anos, ele marcou o gol decisivo da primeira vitória do Brasil na Copa do Mundo de 1958. O papel-título é de Kevin de Paula, um garoto da Baixada Fluminense. O elenco traz também o mexicano Diego Boneta, o americano Vincent D’Onofrio e as “pratas da casa” Seu Jorge e Rodrigo Santoro.
Denise Saraceni, diretora de novelas e séries da TV Globo, comanda Pixinguinha, um homem carinhoso. A dupla Leandro e Leonardo vai ganhar a cinebiografia Não aprendi dizer adeus, de Diogo Boni, projeto ainda em fase de desenvolvimento.
Duas efemérides de 2015 chegarão à tela. Elis Regina, que completaria 70 anos em março, deve ganhar um filme sob a direção de Hugo Prata. E os 50 anos da Jovem Guarda prometem ser comemorados com longa sobre Erasmo Carlos, de Lui Farias. Ambos serão distribuídos pela Downtown Filmes. Sidney Magal também terá o seu filme. O contrato foi assinado pela Mar Filmes e Empyrean Pictures, com direção de Paulo Machline, o mesmo de Trinta. A ideia é filmar apenas em 2016.