Cinema

Com 40 filmes no currículo, Dira Paes será homenageada na Mostra de Cinema de Tiradentes

Musa de diretores estreantes, atriz conquistou crítica e público em sua multifacetada carreira

Carolina Braga

"Sou uma atriz disponível. É uma disponibilidade no bom sentido. Uma atriz em função do personagem', Dira Paes, atriz
A
o fazer um balanço sobre seus 30 anos de trajetória no cinema, a serem completados em 2015, a atriz Dira Paes se propôs um desafio. Numa espécie de exercício íntimo, decidiu escolher o filme de seu currículo de que mais gosta como espectadora, qual deles é o mais significativo e aquele em que, particularmente, surpreendeu-se com a própria atuação. O resultado está guardado a sete chaves. Faz parte do acordo ético com os diretores. Porém, a atriz admite: a tarefa não é fácil.


Por sua trajetória diversa e corajosa, marcada por frequentes demonstrações de entrega e admiração pela produção autoral brasileira, a atriz, de 45 anos, foi escolhida para ser a homenageada da 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro. É justo. O evento mineiro não é novidade na vida de Dira, onipresente nos sets nacionais. Ela participou de várias edições representando seus filmes e até como mestre de cerimônias.

Por conhecer de perto esse universo, a atriz diferencia o evento daquele contexto em que festivais costumam ser oba-oba de celebridades. “Estou muito honrada, porque a Mostra de Tiradentes, dentro do cenário do mercado audiovisual brasileiro, consegue fazer um estudo profundo sobre pensar cinema. Assim, cumpre o seu papel”, elogia.

A cada ano, a mostra mineira abre o calendário audiovisual do país. De 23 a 31 de janeiro, cerca de 100 produções ficarão em cartaz na cidade histórica mineira – tudo com entrada franca.

VETERANA

Desde 1985, quando estreou na produção internacional 'A floresta das esmeraldas', Dira Paes nunca mais parou de fazer cinema. São 37 longas-metragens, três curtas e 15 trabalhos na TV. O inédito 'Órfãos do Eldorado' foi o escolhido para a abertura da mostra, em 23 de janeiro. O longa dirigido por Guilherme Coelho – que assinou o roteiro em parceria com os conterrâneos pernambucanos Marcelo Gomes e Hilton Lacerda – é uma adaptação do livro homônimo de Milton Hatoum.

Dira divide a cena com o mineiro Daniel de Oliveira. “Nós nos encontramos esta semana e combinamos vê-lo em Tiradentes. Para o ator, o revelar de um filme é energia muito bacana. Um risco, o que é próprio da vida”, afirma ela, dizendo-se muito crítica em relação ao próprio trabalho. “Pior do que eu, só a minha mãe. Ela faz observações bem coerentes, de acordo com as preferências dela. Diz: você não estava muito autêntica”, conta a filha de dona Florzinha.

Como é de praxe, a mostra exibe uma retrospectiva do artista homenageado. A tarefa de escolher os quatro longas mais representativos da carreira caberá à própria Dira. Eis aí outra missão complicada. No início deste século, quando fez o papel de Kika em 'Amarelo manga', de Claudio Assis, ela foi considerada a musa do cinema de baixo orçamento, mas nunca se sentiu confortável com esse título. Compreensível. Ser musa, para Dira Paes, é pouco. A relação que ela sempre procurou estabelecer com a câmera está em outro lugar.

Criteriosa nas escolhas, a atriz diz se sentir mais atraída pelas pessoas envolvidas no projeto e a personagem. Aí está também um pouco do feeling sobre suas apostas. “Fiz muitos primeiros filmes de diretores e depois tive a chance de continuar trabalhando com eles. O artista merece esse crédito. Há a necessidade de expressar algo por meio da imagem”, explica.

A carreira dela tem um pouco de tudo. Êxito de bilheteria? Sim, com '2 filhos de Francisco: a história de Zezé di Camargo e Luciano' (2005). Comédia? 'E aí.... Comeu?' (2012) e 'A grande família: o filme' (2007). Cinema autoral? A lista é grande: a crítica destaca 'Ele, o boto' (1987), de Walter Lima Jr.; 'Cronicamente inviável' (2000), de Sérgio Bianchi; 'Amarelo manga' (2002) e 'Baixio das Bestas' (2006), de Claudio Assis; e 'A festa da menina morta' (2008), dirigido por Matheus Nachtergaele. Sem contar as novelas.

“Cinema, para mim, é a maior diversão. Então, é preciso pensá-lo junto com o público. Em vários projetos recebi um retorno absurdo também da crítica. É um prazer, o meu berço, o lugar onde nasci e me formei. É a minha personalidade”, define. Ela deixou Belém, no fim dos anos 1980, justamente para estudar cinema. Mudou-se para o Rio de Janeiro, mas mantém fortes vínculos com o Pará.

DIREÇÃO  


Dira Paes ainda não se aventurou na direção por ter clareza de que o momento é de atuar. “Os convites têm sido tão maravilhosos que não há como interromper esse fluxo para dirigir. Quem sabe em um momento de calmaria?”, planeja. No início dos anos 2000, ela coordenou, em Belém do Pará, o primeiro festival de cinema de seu estado. Foram sete edições até a agenda ficar apertada demais para continuar com a empreitada. Agora, Dira guarda o desejo de criar uma edição itinerante pelo interior. “O Festival de Belém virou uma semente, cumprimos nosso papel. Quando começamos, em 2004, não havia nenhum evento desse tipo por lá. Hoje, já são três ou quatro”, comemora.

Diante dessa carreira, é inevitável definir a atriz com adjetivos como versátil, diversa, corajosa, ousada. Dira Paes, no entanto, é mais simples. “Acho que sou uma atriz disponível. Gosto da entrega completa. É uma disponibilidade no bom sentido. Uma atriz em função do personagem”, conclui.

O lugar do cinema

Na edição que marca a sua maioridade, a 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes escolheu verticalizar a discussão sobre a autoralidade na produção independente do país. O tema se resume à seguinte pergunta: qual o lugar do cinema hoje?.

Serão debatidas questões como a função do cinema, a sobrevivência de projetos autorais e o impacto do aumento da produção independente sobre a cinematografia nacional. A ideia é refletir sobre o papel da sétima arte nestes tempos marcados pela dispersão. Formatos e suportes se multiplicam, enquanto câmeras e aparatos eletrônicos estão ao alcance de qualquer um.

O evento questiona também em que medida a produção cinematográfica de imersão, que insiste em se elaborar a partir da exigência de maior atenção e cognição, faz sentido para o mundo contemporâneo.

Saiba mais
Ecleidira


Nascida em Abaetetuba (PA) em 1969, Ecleidira Maria Fonseca Paes, a Dira Paes, estreou no cinema aos 16 anos, no filme 'A floresta das esmeraldas', dirigido pelo norte-americano John Boorman. Dois anos depois, Walter Lima Jr. a dirigiu em 'Ele, o boto', e a atriz se aproximou definitivamente do cinema inventivo, de risco e independente. Dia 18, entra em cartaz 'O segredo dos diamantes' (2014), de Helvécio Ratton, com Dira no elenco. Ela também rodou 'Redemoinho', o primeiro longa do mineiro José Luiz Villamarim, com quem trabalhou em 'Amores roubado's (2013) e 'O rebu' (2014), produções elogiadas da TV Globo.