Um dia na vida de um homem... Qualquer? Com esse nome, Deus? Theo tem um amigo, Ulisses. Dá de presente um boneco que se chama Hércules. Todos nomes gregos, associados à mitologia. Ecos de Homero e James Joyce. O (eterno) retorno para casa é uma viagem interior. A odisseia de um dia. Qual é a expectativa de Lina? "Sinto que me exponho a um massacre, mas, para mim, esse filme sobre a amizade é também sobre a delicadeza. Feito com doçura. Não sei se são coisas em alta, mas foi o que senti necessidade de abordar. De (me) expor."
E ela conta - "Perdi muitos entes queridos. Meu pai (o poeta Mário Chamie), o ator Rodrigo Santiago (que morreu durante as filmagem de 'Tônica Dominante'). Descobri que carregamos nossos mortos. Um amor termina, as pessoas perdem-se no mundo. Os mortos permanecem com a gente. A dor de alguma forma vai serenando." Lina diz essas coisas numa conversa com o repórter no bistrô da Reserva Cultural. É de tarde, o público não é tão numeroso nessa hora. Marco Ricca dá entrevista na mesa ao lado e Dira Paes senta-se mais adiante. Ela acaba de chegar do Rio, quer dizer, acaba de chegar do aeroporto, depois de outro tipo de odisseia - o aeroporto de lá estava fechado, criou-se o caos nos dois aeroportos, de lá e daqui.
É curioso, mas Os Amigos é um pouco sobre isso. Theo, que vai enterrar o amigo, é assolado por lembranças da infância de ambos. E ele vive os dois espaços, essa coisa de ser adulto e de se sentir criança desamparada, dentro dele. "Ulisses vira o paradigma do herói, porque ele tem de partir sozinho para o reino dos mortos. Para mim, a força do filme está no menino, que pega a mão de Theo e o leva numa jornada de autodescoberta e reconhecimento. Estou falando de perda, mas não de forma pessimista ou desesperançada. Theo realiza seu movimento de superação. Todo dia tem entardecer e aurora, mas às vezes a aurora parece mais luminosa. É o que gostaria que ocorresse aqui."
Poética, musical - são adjetivos com frequência colados a Lina Chamie. Ela tenta fugir dos rótulos, porque, no fundo, acha que eles atrapalham. Criam uma camisa de força. Não lhe permitem surpreender. "Você mesmo (ela fala para o repórter) já me disse que não conseguiu se envolver com essas pessoas, mas conseguiu viajar em São Silvestre, que estreou antes, e que talvez seja muito mais enigmático e cifrado. A corrida de São Silvestre como viagem interior. A São Paulo que vivenciamos, todos que aqui estamos (e a amamos)."
O cinema de Lina Chamie propõe viagens internas. "A história de Os Amigos é de viagem, mas não cheia de obstáculos. O obstáculo é seguir em frente. Foi um filme gostoso de fazer. Os amigos estavam ali - o Marco (Ricca), a Dira (Paes). Um filme cheio de crianças. Elas dão trabalho, mas energizaram o set. E o mais bacana é isso. Theo está perdido. São as crianças que o conduzem e conduzem o filme."