

Não quis dar nenhuma solução definitiva, e sim mostrar o poder transformador da arte, cultura e educação”, afirma Fernando, que começou a desenvolver o longa a partir de sua experiência no curta 'Cine Rincão' (2011). Exibido no Festival de Veneza, o curta foi realizado para um projeto da revista italiana 'Colors' (iniciativa da marca Benetton) sobre iniciativas que tentavam desafiar a injustiça social em zonas de conflito armado. 'Cine Rincão' retratava a vida de um jovem da ONG Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, fundada pelo apresentador e empresário Luciano Huck, irmão de Fernando. Huck é um dos produtores de Na quebrada.
“Tenho algumas paixões que acabam ficando claras nos meus filmes. Uma delas é a lucidez combatendo as trevas. Em 'Coração vagabundo' era o provincianismo versus o cosmopolitismo, com a mensagem do Caetano que dizia que não importa onde você vá, tem que abrir a cabeça. Já em 'Quebrando o tabu' apresentamos medidas pragmáticas e não moralistas. É impossível radicar o tráfico, qualquer cidade do mundo tem. Mas há como prevenir o aumento do consumo por meio da educação. E quando há a interseção entre educação e cultura, você pode ajudar a prevenir algo mais grave do que a experimentação ocasional de drogas, que é a marginalização, essa a grande questão do tema”, afirma Fernando
Por meio da ficção, que bebe muito na realidade, 'Na quebrada' traz essas questões à tona. A inclusão social, um dos vértices do debate proposto pelo cineasta, está presente não só dentro da tela, como fora dela. O codiretor do longa é Paulo Eduardo, formado na primeira turma de edição do Instituto Criar. Vinte e cinco alunos e ex-alunos da ONG também participaram do projeto. O elenco principal é formado por jovens que até então nunca haviam atuado no cinema – a exceção é o ator Jean Luis Amorim, protagonista de 'Capitães de areia' (2011). Todos os detentos, traficantes e policiais foram interpretados por detentos que integram o grupo de teatro Do Lado de Cá, da Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos. Desativado até então, o projeto voltou à ativa por causa do filme.

Dois filhos de Brown
Jorge e Domênica, de 18 e 15 anos, filhos de Mano Brown, líder dos Racionais MCs, estão no elenco principal de 'Na quebrada'. Eles vivem Gérson e Mônica, dois garotos que entram para a ONG do filme. Ambos sem experiência alguma com cinema, chegaram até a produção graças à mãe, Eliane Dias, que conheceu Fernando Andrade numa palestra. “Nem queria fazer o teste, foi minha mãe quem falou para eu fazer. Nunca atuei na vida, mas quando comecei a preparação, tomei gosto”, assume Jorge. Domênica, que na época das filmagens tinha apenas 13 anos, já levava jeito para a coisa. “Indicaram meu grupo de teatro (que atua no Centro Cultural Monte Azul, Zona Sul de São Paulo) para o teste”, conta.
Moradores da Zona Sul, assim como os personagem do filme (vivem com os pais numa região entre o Campo Limpo e o Capão Redondo), Jorge e Domênica veem muito da vida real no filme. “Na periferia tem muito Gérson. Ele foi convocado (pelo tráfico), ameaçado e não conseguiu sair. Conheço muitas histórias parecidas com a dele. Mas tem gente que mesmo com o pai preso não segue o mesmo caminho. Ou que começou pelo errado e conseguiu se direcionar pelo esporte ou pela arte”, diz Jorge. E acrescenta: “Aqui tem certa disciplina, não tem morte como antes. A violência não vem do bandido, o medo é da polícia. Hoje mesmo, minha mãe ligou dizendo para eu tomar cuidado na rua pois viu o (Batalhão de) Choque abordando dois jovens.”
Depois de cursar um semestre do curso de nutrição, Jorge trancou matrícula para estudar cinema. Como seu personagem, ele também criou uma grife de roupa de hip-hop, Müe. “É uma gíria da área que moro, que pode ser usada para várias coisas. Se você for jogar futebol, pode falar: ‘Vamos müe’, jogar muito.” Já Domênica estuda teatro desde os 10 anos. Mônica, sua personagem, é filha de um casal cego devido ao glaucoma. Seu irmão acaba desenvolvendo a doença, perdendo gradativamente a visão. O grande medo da menina é que ocorra o mesmo com ela. “Não conheço nenhum deficiente visual, não sei como funciona. Mas conheci a família da Mônica (a menina cuja história inspirou a personagem), que tem uma história bonita.”
Para a garota, que vai continuar estudando teatro, mas também tentar um curso de cinema – “a atuação é muito diferente nas duas áreas” – o mais importante de 'Na quebrada' foi o envolvimento das pessoas. “É um filme que transformou quem participou dele. Tanto para a gente, que nunca tinha feito nada, quanto para os detentos, que têm agora outra perspectiva.” Se há muito interesse dos irmãos pelo cinema, não há nenhum pelo hip-hop. “Não, não. Gosto de teatro e moda, nunca quis experimentar a música”, fala Domênica. “Só trabalho como produtor para o Mano Brown e os Racionais. Fora isso, quando era bem pequeno, cantei num grupo de rap com meu primo, mas nada de mais. Nunca tive vontade”, assume Jorge, que é a cara do pai. O garoto ri da comparação. “O pessoal fala, né?! Não tem como esconder.”
Assista ao trailer do filme: