Viver Uriel, o protagonista do filme Introdução à música do sangue, é uma experiência nova para o ator, de 70 anos. “Tem uma umidade, um cheiro que é do autor. Aquela coisa de ser fechado, intimista, de ficar nos seus silêncios. Não é um clipe, é tudo para dentro”, explica.
Veja o vídeo com bastidores da gravação do filme no interior de Minas:
Amigo pessoal de Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, Latorraca acompanhou a saga do cineasta em busca do argumento. Pouco depois de aceitar o desafio de fazer o papel, o ator teve sérias complicações de saúde – em 2012, ficou 40 dias internado devido a uma peritonite. De volta à ativa, três projetos pendentes o aguardavam: a adaptação para a TV de Alexandre e outros heróis (Graciliano Ramos), dirigida por Luiz Fernando Carvalho; a peça Entredentes, de Gerald Thomas; e o retorno ao set.
“Há muito tempo quero trabalhar com o Bigode. Gosto muito da cabeça dele, da estética, da inteligência. Como ator, sempre tive a meta de, na medida do possível, trabalhar com a literatura brasileira adaptada”, diz.
Comédia
O último longa que Bigode e Ney fizeram foi Viva Sapato! (2003). A experiência de Introdução à música de sangue é totalmente diferente. Quando pensou em oferecer Uriel ao amigo, o cineasta sabia que o tiraria da comédia, que fez dele um dos artistas mais conhecidos do país.
“Estamos contando uma história para acreditar na inteligência das pessoas. Bigode poderia fazer comigo um personagem cômico para 8 milhões de pessoas. Mas não, ele vai para o caminho mais interessante e rico para todos nós”, elogia Ney, que chegou a Abaíba com o romance Crônica da casa assassinada nas mãos. Ele, que já havia lido a obra-prima de Lúcio Cardoso no Rio de Janeiro, garante: fazê-lo em Minas é diferente.
O ator, que nunca frequentou salas de terapia, diz encontrar na literatura e na dramaturgia a solidez de que necessita para viver. Ele guarda da mãe, a artista Nena Latorraca, um ensinamento que o auxilia ao escolher papéis. Às vésperas da morte dela, Ney, que tinha 50 anos, ouviu um conselho: “Você chegou a um ponto que tem que fazer só o que gosta. Se não for assim, vá vender empadinha na rua, mas não sofra. Faça o que te der prazer, acrescente algo para as pessoas”.
Prisão
Quase sem querer, Ney Latorraca se deu conta de que tem meio século de carreira. “Em 21 de setembro de 1964, fiz uma peça do Plínio Marcos. Foi só um dia. Estreamos e todo mundo foi preso”, relembra. O elenco contava com Walderez de Barros, então mulher do dramaturgo.
Depois disso, vieram 23 filmes e 50 projetos para televisão, entre novelas e minisséries. Entre os maiores sucessos dele, estão clássicos como Irma Vap, no teatro, e TV Pirata, na telinha. “Quando fiquei doente, vi que a vida é uma bobagem. Você dá mais valor ao cotidiano, fica mais simples”, garante Latorraca.
Seguindo essa filosofia, ele tem planos inusitados. “Estou doido para fazer estátua na rua, quero ver como funciona aquilo. Vou ficar parado. Se a pessoa jogar uma moeda, eu me mexo. Se jogar uma nota de R$ 100, canto Gota d’água”, brinca.
QUASE MINEIRO
Com um sorriso no rosto, Ney Latorraca revela: quase nasceu em Minas Gerais. Os pais dele – também artistas – eram funcionários do cassino da Pampulha, em Belo Horizonte. “Minha mãe estava grávida de nove meses e resolveu visitar a sogra em Santos. Nasci lá”, explica. Na época, Nena Latorraca trabalhava em Nego do cabelo duro com Grande Otelo, que se tornou padrinho de batismo do bebê.