“Seguramente, é preciso ter senso poético e, com certeza, um pouco de talento não prejudica, mas antes de mais nada é preciso ter bastante experiência para poder pensar por meio de imagens – é necessário ser um construtor.” É assim que o cineasta Billy Wilder (1906-2002), em entrevista ao crítico Hellmuth Karasek, costumava descrever o ofício que escolheu para a vida. Ao ver cenas como a abertura de 'Crepúsculo dos deuses' ou a antológica ventilada no vestido de Marlyn Monroe em 'O pecado mora ao lado', entre outras, dá para entender que ele sabia muito bem do que estava falando.
Com talento especial para contar histórias capazes de seduzir o cinéfilo mais ingênuo e o crítico mais exigente, com a diplomacia necessária para abordar com acidez temas até então incômodos e transitar sem o menor problema entre a demanda de entretenimento imposta pela indústria de Hollywood e os próprios ideais artísticos, o cineasta austríaco edificou uma obra inquestionável. Tanto do ponto de vista estético, como de narrativa e de experimentação de gêneros.
'Billy Wilder – Gênio do sistema', a mostra em cartaz a partir desta sexta-feira no Cine Humberto Mauro, exibirá os 25 longas-metragens dirigidos por ele ao longo dos 50 anos dedicados à sétima arte. O nome da retrospectiva se deve justamente à capacidade que o diretor teve de sempre fazer o que quis dentro de um sistema comercial, até hoje superpoderoso. “Sabia jogar o jogo sem nunca abrir mão daquilo que era mais importante para ele: uma visão critica e ácida das coisas de maneira geral”, explica Rafael Ciccarini, gerente de cinema da Fundação Clóvis Salgado e curador da mostra.
Antes de se dedicar ao cinema, Billy Wilder foi jornalista em Viena, conviveu, entre outros, com Sigmund Freud e Richard Strauss. Como a professora Ana Lúcia Andrade conta no livro 'Entretenimento inteligente: o cinema de Billy Wilder' (Editora UFMG, 2004), a experiência como repórter parece ter influenciado o talento como roteirista e daí o relevo que a narrativa sempre teve na sua obra. O domínio estava, entre outras características, na sabedoria em envolver o espectador com personagens cativantes e conflitos de fácil identificação.
“Um cineasta autoral, sem ser hermético, com discurso acessível, divertindo e possibilitando a reflexão: um caminho interessante e desejável dentro de uma forma de arte tão cara e subestimada pelo público de uma forma geral que, muitas vezes, exige apenas divertimento”, completa Ana Lúcia. No caso de Wilder, no entanto, a genialidade da obra não é exclusiva da forma como contou as histórias. “Ele acreditava que para se prender o público nas tramas que desenvolvia tão bem não poderia rebuscar muito na forma, temendo distanciar ou distrair o espectador. Ainda assim, pode-se encontrar composições de enquadramentos muito bem elaboradas, belas e funcionais em seus filmes”, continua a professora. “Era um belo diretor de cena. Mesmo com o roteiro muito bem escrito, se não for um exímio diretor de atores isso se perde. É importante mencionar que ele improvisava muito pouco e, no entanto, as interpretações nos filmes deles soavam como naturais”, observa Ciccarini.
Versatilidade Billy Wilder começou como roteirista em Berlim e com a chegada de Hitler ao poder transferiu-se para os Estados Unidos, no fim dos anos 1930, onde fez parte do time de escritores de grandes estúdios, como Paramount, Metro, Warner. 'A incrível Suzana' ('The major and the minor', 1941), marcou a estreia como diretor em território americano, com sucesso de público, o que, aliás, não foi diferente com os outros 25 longas que fez até 1982, quando encerrou a carreira.
“Ele não só trabalhou com vários gêneros como fez obras- primas em cada um deles”, aponta Rafael Ciccarini. Billy Wilder transitou pela comédia com o mesma curiosidade como passou por dramas sociais como 'Farrapo humano' (1945), no qual abordou a questão do alcoolismo; 'A montanha dos sete abutres' (1951), sobre o sensacionalismo da mídia; comédias românticas como 'Sabrina' (1954); e até o noir 'Pacto de sangue' (1944).
“Seus filmes não envelheceram e continuam envolventes, com temáticas ainda hoje pungentes, como 'A montanha dos sete abutres', por exemplo, que, mais do que criticar a imprensa sensacionalista e amoral, aborda com acidez o gosto do público pelo bizarro que este tipo de imprensa vende. O lado podre e condenável da natureza humana, mas sem tornar a história desagradável ou de difícil apreensão e, tampouco, sem subestimar a inteligência do espectador”, comenta Ana Lúcia Andrade.
A seu modo diplomático, Wilder também foi crítico com a própria indústria na qual estava inserido. Como Ana Lúcia salienta, em 'Crepúsculo dos deuses' (1950) e 'Fedora' (1978) o próprio cinema é o principal tema, com autocríticas mordazes e contundentes. Ao longo dos 50 anos em que esteve em atividade, Billy Wilder foi indicado ao Oscar 23 vezes e venceu sete. Mais importante que prêmios é o legado que deixou. “Vários cineastas importantes, como Steven Spielberg e Martin Scorsese, admitem a influência de Wilder no sentido de se adaptar à indústria, tentando fazer um trabalho autoral e acessível, que aborde temas profundos e complexos de forma democrática e envolvente”, acrescenta Ana Lúcia.
Os Essenciais
'Pacto de sangue' (1944), sábado, às 16h; dia 28, às 18h45
'Farrapo humano' (1945): sábado, às 18h; dia 30, às 21h; 5/8, às 21h
'Crepúsculo dos deuses' (1950): domingo, às 18h; dia 28, às 21h; 1º/8, às 17h; 4/8, às 19h
'A montanha dos sete abutres' (1951): domingo, às 20h; dia 29, às 16h30; 4/8, às 21h
'Testemunha de acusação' (1957): dia 22, às 21h; dia 27, às 20h15; 6/8, às 17h
'Quanto mais quente melhor' (1959): dia 23, às 16h; dia 29, às 18h30; 2/8, às 18h45
'Se meu apartamento falasse' (1960): dia 23, às 18h15; dia 30, às 16h; 3/8, às 18h30
• Programação
» Sexta – 'Ninotchka' ('Ernst Lubitsch', EUA, 1939), às 17h; 'Semente do mal' ('Mauvaise graine', França, 1934), às 19h; 'A incrível Suzana' ('The major and the minor', EUA, 1942), às 21h.
» Sábado – 'Cinco covas no Egito' ('Five graves to Cairo', EUA, 1943), às 14h; 'Pacto de sangue' ('Double indemnity', EUA, 1944), às 16h; 'Farrapo humano' ('The lost weekend', EUA, 1945), às 18h; 'A valsa do imperador' ('The emperor waltz', EUA, 1948), às 20h.
» Domingo – 'A mundana' ('A foreign affair', EUA, 1948), às 16h; 'Crepúsculo dos deuses' ('Sunset Blvd.', EUA, 1950), às 18h; 'A montanha dos sete abutres' ('Ace in the hole', EUA, 1951), às 20h.
BILLY WILDER: Gênio do Sistema
Desta sexta a 7 de agosto, no Cine Humberto Mauro, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Entrada franca mediante retirada de senhas. No dia 5 de agosto, a professora Ana Lúcia Andrade vai ministrar a palestra 'Billy Wilder – Um autor na Hollywood clássica', também com entrada franca.
Com talento especial para contar histórias capazes de seduzir o cinéfilo mais ingênuo e o crítico mais exigente, com a diplomacia necessária para abordar com acidez temas até então incômodos e transitar sem o menor problema entre a demanda de entretenimento imposta pela indústria de Hollywood e os próprios ideais artísticos, o cineasta austríaco edificou uma obra inquestionável. Tanto do ponto de vista estético, como de narrativa e de experimentação de gêneros.
'Billy Wilder – Gênio do sistema', a mostra em cartaz a partir desta sexta-feira no Cine Humberto Mauro, exibirá os 25 longas-metragens dirigidos por ele ao longo dos 50 anos dedicados à sétima arte. O nome da retrospectiva se deve justamente à capacidade que o diretor teve de sempre fazer o que quis dentro de um sistema comercial, até hoje superpoderoso. “Sabia jogar o jogo sem nunca abrir mão daquilo que era mais importante para ele: uma visão critica e ácida das coisas de maneira geral”, explica Rafael Ciccarini, gerente de cinema da Fundação Clóvis Salgado e curador da mostra.
Antes de se dedicar ao cinema, Billy Wilder foi jornalista em Viena, conviveu, entre outros, com Sigmund Freud e Richard Strauss. Como a professora Ana Lúcia Andrade conta no livro 'Entretenimento inteligente: o cinema de Billy Wilder' (Editora UFMG, 2004), a experiência como repórter parece ter influenciado o talento como roteirista e daí o relevo que a narrativa sempre teve na sua obra. O domínio estava, entre outras características, na sabedoria em envolver o espectador com personagens cativantes e conflitos de fácil identificação.
“Um cineasta autoral, sem ser hermético, com discurso acessível, divertindo e possibilitando a reflexão: um caminho interessante e desejável dentro de uma forma de arte tão cara e subestimada pelo público de uma forma geral que, muitas vezes, exige apenas divertimento”, completa Ana Lúcia. No caso de Wilder, no entanto, a genialidade da obra não é exclusiva da forma como contou as histórias. “Ele acreditava que para se prender o público nas tramas que desenvolvia tão bem não poderia rebuscar muito na forma, temendo distanciar ou distrair o espectador. Ainda assim, pode-se encontrar composições de enquadramentos muito bem elaboradas, belas e funcionais em seus filmes”, continua a professora. “Era um belo diretor de cena. Mesmo com o roteiro muito bem escrito, se não for um exímio diretor de atores isso se perde. É importante mencionar que ele improvisava muito pouco e, no entanto, as interpretações nos filmes deles soavam como naturais”, observa Ciccarini.
Versatilidade Billy Wilder começou como roteirista em Berlim e com a chegada de Hitler ao poder transferiu-se para os Estados Unidos, no fim dos anos 1930, onde fez parte do time de escritores de grandes estúdios, como Paramount, Metro, Warner. 'A incrível Suzana' ('The major and the minor', 1941), marcou a estreia como diretor em território americano, com sucesso de público, o que, aliás, não foi diferente com os outros 25 longas que fez até 1982, quando encerrou a carreira.
“Ele não só trabalhou com vários gêneros como fez obras- primas em cada um deles”, aponta Rafael Ciccarini. Billy Wilder transitou pela comédia com o mesma curiosidade como passou por dramas sociais como 'Farrapo humano' (1945), no qual abordou a questão do alcoolismo; 'A montanha dos sete abutres' (1951), sobre o sensacionalismo da mídia; comédias românticas como 'Sabrina' (1954); e até o noir 'Pacto de sangue' (1944).
“Seus filmes não envelheceram e continuam envolventes, com temáticas ainda hoje pungentes, como 'A montanha dos sete abutres', por exemplo, que, mais do que criticar a imprensa sensacionalista e amoral, aborda com acidez o gosto do público pelo bizarro que este tipo de imprensa vende. O lado podre e condenável da natureza humana, mas sem tornar a história desagradável ou de difícil apreensão e, tampouco, sem subestimar a inteligência do espectador”, comenta Ana Lúcia Andrade.
A seu modo diplomático, Wilder também foi crítico com a própria indústria na qual estava inserido. Como Ana Lúcia salienta, em 'Crepúsculo dos deuses' (1950) e 'Fedora' (1978) o próprio cinema é o principal tema, com autocríticas mordazes e contundentes. Ao longo dos 50 anos em que esteve em atividade, Billy Wilder foi indicado ao Oscar 23 vezes e venceu sete. Mais importante que prêmios é o legado que deixou. “Vários cineastas importantes, como Steven Spielberg e Martin Scorsese, admitem a influência de Wilder no sentido de se adaptar à indústria, tentando fazer um trabalho autoral e acessível, que aborde temas profundos e complexos de forma democrática e envolvente”, acrescenta Ana Lúcia.
Os Essenciais
'Pacto de sangue' (1944), sábado, às 16h; dia 28, às 18h45
'Farrapo humano' (1945): sábado, às 18h; dia 30, às 21h; 5/8, às 21h
'Crepúsculo dos deuses' (1950): domingo, às 18h; dia 28, às 21h; 1º/8, às 17h; 4/8, às 19h
'A montanha dos sete abutres' (1951): domingo, às 20h; dia 29, às 16h30; 4/8, às 21h
'Testemunha de acusação' (1957): dia 22, às 21h; dia 27, às 20h15; 6/8, às 17h
'Quanto mais quente melhor' (1959): dia 23, às 16h; dia 29, às 18h30; 2/8, às 18h45
'Se meu apartamento falasse' (1960): dia 23, às 18h15; dia 30, às 16h; 3/8, às 18h30
• Programação
» Sexta – 'Ninotchka' ('Ernst Lubitsch', EUA, 1939), às 17h; 'Semente do mal' ('Mauvaise graine', França, 1934), às 19h; 'A incrível Suzana' ('The major and the minor', EUA, 1942), às 21h.
» Sábado – 'Cinco covas no Egito' ('Five graves to Cairo', EUA, 1943), às 14h; 'Pacto de sangue' ('Double indemnity', EUA, 1944), às 16h; 'Farrapo humano' ('The lost weekend', EUA, 1945), às 18h; 'A valsa do imperador' ('The emperor waltz', EUA, 1948), às 20h.
» Domingo – 'A mundana' ('A foreign affair', EUA, 1948), às 16h; 'Crepúsculo dos deuses' ('Sunset Blvd.', EUA, 1950), às 18h; 'A montanha dos sete abutres' ('Ace in the hole', EUA, 1951), às 20h.
BILLY WILDER: Gênio do Sistema
Desta sexta a 7 de agosto, no Cine Humberto Mauro, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Entrada franca mediante retirada de senhas. No dia 5 de agosto, a professora Ana Lúcia Andrade vai ministrar a palestra 'Billy Wilder – Um autor na Hollywood clássica', também com entrada franca.