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“Frequentei semanalmente a casa do meu avô paterno, que tinha um enorme quintal com galinheiro, horta e pomar, com árvores enormes, de mais de 15 metros de altura, nas quais a gente podia subir”, conta o roteirista Cristiano Abud. Em parceria com o diretor Guilherme Fiúza e o produtor André Carreira, da Camisa Listrada, Abud trabalhou na transformação da literatura de Fernando Sabino em roteiro. É daquele tipo de desafio irrecusável, cheio de escolhas delicadas.
“Nunca um livro chega ao cinema ipsis litteris. É sempre uma adaptação, na acepção literal da palavra: moldar a história literária à linguagem cinematográfica. A maior cobrança foi estar atento e aberto às alterações necessárias e não ter medo de realizá-las”, revela. A versão de O menino no espelho que chega às telas reúne algumas estripulias de Fernando aos 10 anos. “Porque a força do livro está aí, no conflito do menino que se torna rapaz, o primeiro amor, os conflitos do fim da infância”, continua.
Se o primeiro desafio foi definir o recorte, o segundo foi responder à pergunta básica: é um filme infantil ou sobre infância?. Aí, falou mais alto o desejo de fazer um longa para todas as idades. “A maior insegurança de todos os envolvidos no desenvolvimento do projeto era acertar a mão no equilíbrio dessa balança – nem pender para um filme para crianças nem para um muito adulto. O desafio era transitar bem por esses dois universos”, diz Cristiano Abud.
Como o roteirista observa, é curioso o quanto, mesmo tendo sido escrito em 1982, o pano de fundo da história não mudou tanto assim. O menino no espelho fala sobre dúvidas, conflitos, emoções e ainda não há tecnologia que tenha dado conta de transformar questões existenciais. Essa característica do livro transposta para a tela é a aposta da equipe para enfrentar as produções focadas no público infantojuvenil. “O roteiro precisava apostar muito nas dúvidas, nos conflitos e nas emoções, que são comuns a todos nós neste período da vida. Já que não temos tanta pirotecnia, o filme se comunica pela força da história e das personagens”, afirma Cristiano.
Era um sonho antigo. Mas Bernardo Sabino, filho do escritor Fernando Sabino, imaginava a história de O menino no espelho inicialmente nos palcos. “A gente tem que produzir arte de qualidade para as crianças. Queria fazer uma peça de teatro, ainda penso, mas não estava fechado para o cinema”, conta. É por isso que quando o diretor Guilherme Fiúza fez o primeiro contato para a adaptação do livro o clima foi de alegria geral.
Aliás, todas as vezes em que a família do escritor é procurada por projetos sérios não costuma haver dificuldades na negociação dos direitos. “Os autores não escreveram para os herdeiros, mas para o público. Acho que a maioria confunde isso, querem tirar proveito financeiro de uma obra que não é deles”, avalia. Bernardo afirma não ser esse o caso da famíla. “Tem que facilitar ao máximo a difusão da obra, separar o que é educativo e institucional do que é publicitário”, frisa.
O cinema, no caso, é um projeto comercial. Em paralelo, há diversas iniciativas que têm como função estimular a circulação da obra de Fernando Sabino. É de responsabilidade de Bernardo, por exemplo, o projeto Encontro marcado com Fernando Sabino. Desde 2008, ele já levou exposição com a obra do pai a pelo menos 50 cidades. No ano passado, quando foram feitas as homenagens aos 90 anos de nascimento do escritor, a mostra esteve meses em cartaz na Praça da Liberdade.
Neste domingo, o circuito chegará à região da Pampulha com oficinas, teatro, mostra de filmes, shows, leituras poéticas e outras atividades. A meta é uma só: imortalizar o escritor. “A literatura dele é atemporal. Nessa viagem que faço nas escolas percebo que 70% da obra atinge todas as idades. Qual criança ou adulto não vai rir da história de O homem nu? Atinge todas as faixas etárias”, diz Bernardo.
Três perguntas para... Mateus Solano - ator
O menino no espelho é considerado um livro sobre infância e não uma obra infantil. De que forma você acredita que a sensibilidade do olhar de Fernando Sabino está traduzida no filme?
Acho que o filme é mais do Sabino e do menino que ele era. Na parte de trás da edição do livro que tenho tem uma frase dele que o Guilherme (Fiúza, diretor) botou no filme: "Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino". Fiúza colocou isso no filme. Acho que o filme pode se resumir nisso, ele traz para crianças que não viveram esse tipo de infância, a infância nesse estado natural, da energia, da criatividade. São lugares construtivos.
Em um mundo com tanta tecnologia voltada principalmente para o público infantojuvenil, acredita que o filme é um convite a uma infância diferente?
Sim. Acho que o filme convida tanto pais quanto filhos a pensarem: “Qual infância eu estou vivendo” ou “que infância estou dando para meu filho?”.
Qual a sua memória mais forte de infância?
Eu mesmo. Lembro-me muito de como eu conversava comigo mesmo, de como voltava para casa depois de ir a algum lugar e pensava muito. Sempre pensei muito, sempre conversei comigo mesmo e tinha altos papos comigo. Eu não era solitário, mas de alguma forma dividia comigo mesmo as minhas experiências.
Mateus Solano se identifica com figura paternal em filme
Encontro marcado com Fernando Sabino
Amanhã
10h – Abertura com bate-papo
com Bernardo Sabino e exposição
sobre vida e obra de Fernando Sabino
10h30 – Leitura dramática
com Milo Sabino
11h – Cancioneiro do imigrante,
com Cia Sala B
14h – Apresentação Cia. Gêmeas
15h – Espetaclim, com Paulinho Polika
16h – João Estrela e Gláucio Barbosa (MPB) convidam Bernardo Sabino
Parque Ecológico da Pampulha,
Av. Otacílio Negrão de Lima, 6. 061 (marco zero), e portaria (Toca da Raposa), Pampulha, (31) 3277-7439.