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Xodó

Documentário 'Dominguinhos' recupera a trajetória do compositor

Produção dirigida por Mariana Aydar, Eduardo Nazarian e Joaquim Castro mostra o Dominguinhos muito além do forró

Ana Clara Brant
Fotos: Ding Musa/Divulgação - Foto: Fotos: Ding Musa/Divulgação
O ano de 2006 chegava ao fim, quando, por acaso, o músico Eduardo Nazarian viu Dominguinhos tocando sanfona em uma livraria de São Paulo, durante o lançamento de um livro. E o que mais impressionou foi que o artista, nascido em Garanhuns, em Pernambuco, estava fora do contexto habitual do forró. “Ele estava tocando de tudo. Dominguinhos não era apenas o herdeiro do Gonzagão. Ali, ele mostrou além da música nordestina um pouco de choro, jazz e bossa nova. Sua música dialogava com toda a música brasileira”, recorda. Assim que deixou o local, Nazarian foi pesquisar mais sobre a vida do sanfoneiro e se encantou com sua diversidade e sua universalidade.
Sem querer, nascia ali o documentário Dominguinhos, em cartaz em Belo Horizonte, idealizado pelo próprio Eduardo Nazarian junto da amiga e cantora Mariana Aydar e o também músico Duani, com produção da bigBonsai. Estreantes no cinema, Nazarian e Mariana nunca haviam pensando em vivenciar essa experiência, e acabaram mergulhando intensamente no projeto, justamente por serem profundos admiradores do compositor de Eu só quero um xodó e De volta pro aconchego.

“O que me motivou foi justamente esse amor e essa admiração que tenho por ele, porque é um trabalho que exigiu demais”, conta Mariana. Ele destaca que o trabalho, que começou em 2007, foi muito intenso. “Filmamos desde aquela época, mas em 80% do filme utilizamos imagens de arquivos. E o cinema é cruel. A edição foi muito complicada, ainda mais que Dominguinhos passou por muitas fases da música brasileira. Optamos por ele contar a própria história e isso ficou bem bacana”, ressalta a cantora e diretora.

Mariana Aydar, que chegou a gravar um disco em homenagem ao ídolo, destaca que o documentário traz um Dominguinhos que pouca gente conhece: jazzista, improvisador, universal, virtuose que nunca estudou música e dono de estilo refinado. Sem falar que, mesmo com todo o seu talento, era um homem extremamente simples, humilde e generoso. “Ele era muito mais do que aquele artista regional, de chapéu de couro. Já o vi tocar nas mais diferentes situações, nunca deixando de ser ele mesmo. Uma bossa nova com a Nara Leão, um rap, um chorinho. Era um músico amplo, genial, mas sem deixar de ter esse pé no sertão. Acho que o filme conseguiu mostrar o que ele foi e o que foi sua obra. Está bem à sua altura”, diz.

Para Eduardo Nazarian, o que mais encanta na figura de Dominguinhos é que sempre há algo a se descobrir sobre ele. “Desde pequeno ele foi músico. Com 5 anos já tocava em feira para ajudar a comprar comida em casa. E foi assim a vida toda. Nos encontros que tivemos, nunca houve ensaios ou roteiros. A música fluía de um jeito muito intenso. Tanto que a gente faz uma metáfora e utiliza a sanfona como se fosse o seu pulmão (numa triste coincidência, Dominguinhos morreu de câncer de pulmão). A última vez que estive com ele foi em setembro de 2012, no estúdio, para gravar com a Elba Ramalho uma participação para o documentário. Ele comentou que tinha sonhado que o Gonzagão estava chamando por ele. Nunca vou me esquecer. E dois meses depois, foi internado”, recorda.



Sons

Se Mariana Aydar e Eduardo Nazarian são estreantes na telona, Joaquim Castro, que também assina a direção, tem longa bagagem cinematográfica. Em princípio, Joaquim entrou como montador em Dominguinhos. Foi dele a ideia da narração em primeira pessoa. “Ele tem uma forma particular de falar, o tempo sertanejo, palavras peculiares, e só ele contando a própria história poderia trazer tamanha profundidade”, frisa.

Um dos destaques do documentário são os sons de objetos, pessoas, especialmente os que Dominguinhos ouvia na infância, período que determinou os rumos de sua vida e de sua música. Pássaros que ele escutava, os brinquedos como peão e bola de gude, os repentistas da feira, o vento, os meninos correndo. “Esse filme é um encontro do cinema e da música. E nessa pesquisa da gênese dele, as sonoridades que ele escutava quando criança eram fundamentais para o processo do filme”, acrescenta Joaquim.

O diretor e montador ressalta que sempre foi um apaixonado pela obra de Dominguinhos e que, a partir do momento em que pôde conhecer sua vida, que representa a de tantos brasileiros, passou a admirá-lo ainda mais. “Ele era um brasileiro como tantos outros, que nasce num lugar difícil, que teve 16 irmãos, sendo que 10 morreram. Foi muito tocante entender sua trajetória. Um vencedor, acima de tudo. Acabou sendo uma grande homenagem, mas ele não viu o documentário pronto. A arte tem o tempo dela”, pondera.



Emoção em família

Se para quem não conviveu intimamente com Dominguinhos é impossível não se emocionar com o documentário, imagina para quem o conheceu, como é o caso de sua filha caçula, a cantora Liv Moraes, de 33 anos. Na terça-feira, em São Paulo, durante a pré-estreia, foi difícil conter as lágrimas. “A saudade ainda é grande. Chorei demais e meu olhos ficaram inchados. Foi uma das mais belas homenagens que fizeram ao meu pai”, ressalta. Liv, que estava acompanhadao do filho Luca, de 5 anos, que aparece no filme no colo do avô, quando ainda era bebê, conta que o garoto é um dos que mais sentem a falta de Dominguinhos. “Mas ele acabou dormindo durante a exibição do documentário e ficou até irritado com isso. O nascimento do meu filho deu uma motivação ao papai no fim da vida”, lembra.

A cantora, assim como o restante da família, aprovou o filme dirigido pelo trio Mariana Aydar, Eduardo Nazarian e Joaquim Cruz e acredita que eles colocaram Dominguinhos como ele realmente é: um homem e artista apaixonante, que sempre tratou todos da mesma maneira. “As pessoas acabam conhecendo um outro Dominguinhos, muito além daquele que toca sanfona. E como é ele que conta sua própria história, acho que o espectador fica mais atento. E você nem imagina o prazer que ele tinha em fazer isso. Fazia isso com o maior gosto”, frisa.

Liv Moraes, que foi a única dos três filhos do cantor e compositor que seguiu os passos do pai, destaca que outro ponto alto do documentário foram os casos engraçados e as imagens que o retratam bem e feliz. “O final, então, não tem como não se emocionar. Foi um show em que eu e minha mãe choramos muito. Demos muita força para ele, porque ele estava passando por muitas complicações. Não é porque é meu pai, mas é aquele tipo de filme que você diz: ‘Nossa, já acabou? Que pena!’, de tão bom que é”, conclui.



Na rede

Como o material gravado para o documentário Dominguinhos é muito extenso, ele acabou rendendo uma websérie que já está finalizada e disponível no Youtube no canal Dominguinhos%2b, (www.youtube.com/dominguinhosmais). O projeto abriu espaço para que outras pessoas importantes na vida do artista contassem suas lembranças. Gilberto Gil, Djavan, Elba Ramalho, Hermeto Pascoal, João Donato, Lenine, Yamandu Costa e Hamilton de Holanda fazem parte da série, composta de oito episódios. O material vai gerar um DVD.

Dominguinhos
Documentário sobre o compositor e instrumentista. Em cartaz em Belo Horizonte no Cine Belas Artes, sala 1, às 18h. Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes