A produção, dirigida por John Lee Hancock, inspirada em eventos reais, narra a história não contada de como o clássico Mary Poppins, da Disney, chegou à telona e o complicado relacionamento entre Walt Disney, vivido por Tom Hanks, e Pamela Travers, papel de Emma Thompson.
O longa chega aos cinemas junto com o lançamento remasterizado e em blu-ray de 'Mary Poppins'. O crítico e cineasta Jefferson Assunção lembra que a produção de 1964 estrelada por Julie Andrews se tornou um clássico e fez enorme sucesso na época. Não é à toa que conquistou importantes prêmios, como cinco Oscars, incluindo o de melhor atriz para Julie Andrews, melhor canção ('Chim chim cher-ee') e melhores efeitos visuais. Foi a maior bilheteria daquele ano nos Estados Unidos, superando 'Goldfinger' e 'My fair lady'. O mais curioso, como lembra Assunção, é que Julie Andrews estava cotada para fazer 'My fair lady', mas foi preterida por não ter sex-appeal para o papel. Ironicamente, esse foi o mesmo fator que fez com que Walt Disney contratasse a atriz inglesa para interpretar a babá. “E foi a partir daí que a carreira de Julie Andrews deu uma guinada e ela acabou ganhando o Oscar, sendo que Audrey Hepburn, que acabou fazendo 'My fair lady', nem sequer foi indicada. E foi o papel de Mary Poppins que levou Julie Andrews a interpretar a protagonista de 'A noviça rebelde' no ano seguinte”, destaca o crítico.
No entanto, foi uma tarefa árdua para Walt Disney levar Poppins para o cinema, como mostra o livro de Valerie Lawson e o longa-metragem Walt nos bastidores de Mary Poppins. Ele estaria interessado em adaptar a história desde os anos 1940, quando uma de suas filhas contou que estava adorando o livro escrito por Pamela Travers. Convencer a australiana, que considerava os filmes do produtor e diretor norte-americano uma “arte vulgar”, foi algo complexo. Só quando ele fez uma proposta irrecusável é que Travers finalmente aceitou. “A autora deixou claro que não queria uma animação e naquele período Disney estava começando a produzir filmes mesclando personagens humanos com desenhos animados. Mesmo assim, ela não gostou muito. Foi um musical bem típico da época, tem momentos poéticos, mas contrariou Travers”, comenta Jefferson Assunção.
Contra a animação
O fato é atestado pela biógrafa e conterrânea da criadora da babá, Valerie Lawson. “Pamela Travers não gostava da natureza açucarada do filme, que de alguma forma não tinha a verdadeira magia e o mistério de sua Poppins, e odiava a animação quando os animais são vistos dançando com Mary e Bert (Julie Andrews e Dick van Dyke). Durante anos ela se tornou cada vez mais indiferente ao filme, apesar de ele ter dado a ela dinheiro e um pouco de fama”, revela a jornalista.
Assunção acredita que 'Mary Poppins' é um filme que sempre vai estar presente no imaginário das pessoas e, além de ter impulsionado a carreira de uma grande atriz, deu uma levantada nos musicais, que estavam meio em baixa na década de 1960. “Mary Poppins' é muito colorido, cheio de vida. Esse relançamento, tanto em DVD como em blu-ray, deve render ainda bastante dinheiro ao estúdio. É um filme muito querido pelo público, especialmente o norte-americano”, diz.
Já para Valerie Lawson, a personagem continua encantando até hoje porque representa tanto a aventura quanto o conforto. Para a biógrafa de Travers, as crianças gostam de viajar em aventuras emocionantes, mas também adoram voltar seguras para as suas próprias camas. “As crianças precisam estar ligadas aos seus pais e se estes são ausentes, elas precisam de uma mãe ou de um pai substituto. As crianças gostariam de poder voar, assim como Poppins e Peter Pan”, conclui.
Outro lado da ficção
No clássico da Disney estrelado por Julie Andrews, Mary Poppins desce de uma nuvem e voa pelos céus tempestuosos de Londres para a casa de duas crianças. Com a ajuda de um despreocupado limpador de chaminé, Bert (Dick van Dyke), a espirituosa babá transforma cada tarefa em um jogo e todo dia em uma data festiva.
Na produção que estreia amanhã, protagonizada por Tom Hanks e Emma Thompson, a história é outra. 'Walt nos bastidores de Mary Poppins' conta o que está por trás do clássico e sugere que personagens como a própria Poppins ou a família Banks, pela qual ela é contratada como babá, foram baseados em pais e parentes de Pamela Travers. “É um filme que é produzido pela Disney, então omite muita coisa, mas é bem centrado na figura da Pamela, na relação dela com sua família e em suas lembranças. Ela se recorda de todo esse passado sofrido com os pais e isso se reflete na construção de Mary Poppins”, analisa Jefferson Assunção.
O livro de Valerie Lawson mostra a situação do ponto de vista de Travers. A escritora australiana, que atualmente escreve para o jornal The Sydney Morning Herald, considera o longa do diretor John Lee Hancock um bom filme, embora seja estreito em seu foco, não revelando a complexidade da vida de Pamela. No entanto, destaca a atuação de Emma Thompson. “Ela foi excelente. Acertou em cheio, dadas as limitações de como seu personagem foi escrito. Emma é irritantemente engraçada e amável, o que é algo muito difícil de fazer. Travers era uma mulher adorável em muitos aspectos, mas não como figura pública. Ela tinha personalidade forte, como se pode ver no filme. Já Tom Hanks é bom, ele faz um Disney adorável, ainda que Disney não fosse totalmente encantador ou amável”, revela a biógrafa.
Agulha e linha
Para celebrar o cinquentenário de Mary Poppins, a Editora Cosac Naify lança em maio nova edição bordada da história da babá. Quem assina as ilustrações é o estilista mineiro Ronaldo Fraga, que mandou seus desenhos para a equipe de Stela Guimarães, em Itabira. Lá, os desenhos viraram bordados e, de volta a São Paulo, foram fotografados para integrar a obra, que ganha nova tradução de Joca Reiners Terron e posfácio de Sandra Vasconcelos, professora da USP.
Três perguntas para...
Valerie Lawson
Biógrafa de Pamela Travers, criadora de Mary Poppins
Por que você se interessou em contar a história de Pamela Travers e de Mary Poppins?
Descobri há muitos anos que Pamela manteve sua vida pessoal em segredo. Ela se mudou de sua terra natal, a Austrália, para Londres, mudou seu nome, recusou-se a revelar seu local de nascimento, falava com sotaque britânico de classe alta e, muitas vezes, disse que queria ser conhecida como Anon, de anônimo. Gosto de solucionar mistérios: por que ela se escondeu atrás de tantos véus? Esse foi o meu primeiro instinto para descobrir as respostas. Mary Poppins é uma personagem igualmente misteriosa: de onde ela veio, para onde ela vai quando voa para longe da família Banks?. Para quem ela trabalha? Mas ao contrário de Travers, quase todo mundo já ouviu falar de Mary Poppins e, por isso, fazia sentido para mim ligar o desconhecido com o conhecido e estabelecer como Travers criou Mary Poppins.
O que mais a surpreendeu na personalidade e na história de Travers?
Sua busca contínua pelo oculto, a adoção de um filho sem revelar a ele que ele era adotado e que tinha um irmão gêmeo; sua resistência em vender a Walt Disney os direitos de filmagem de Mary Poppins e sua longa batalha com a Disney para apresentar Poppins na forma como ela queria que fosse feito o filme.
Você conheceu Pamela Travers? Teve algum tipo de contato com ela?
Não me encontrei com Pamela. Escrevi para ela, que respondeu dizendo que iria falar comigo sobre o seu trabalho, mas não sobre a sua vida pessoal. Porém, quando finalmente viajei de Sydney a Londres, ela tinha morrido. Seu filho me ajudou muito e me deixou trabalhar e pesquisar no próprio escritório de Pamela, onde ela escreveu por muitos anos.
Mary Poppins e sua criadora – A vida de Pamela Travers
De Valerie Lawson
Editora Prata, 352 páginas,
R$ 49,90