Miyazaki é reconhecido como um dos grandes - maiores - da animação. John Lasseter e seus companheiros na Pixar o chamam de mestre. A nova obra-prima de Miyazaki poderá ser a última - se, como prometeu no Festival de Veneza do ano passado, o diretor estiver se despedindo do cinema. Cahiers du Cinéma não deixou por menos - colocou Vidas ao Vento na capa de janeiro e ainda disse que Miyazaki fez um grande filme viscontiano. Faz sentido - entre os projetos que não conseguiu concretizar, o grande Luchino tinha o de adaptar A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Visconti também não conseguiu adaptar Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, mas outro animador - Brad Bird, da Pixar - o fez em Ratatouille.
Mann, Proust, Visconti. Estamos, realmente, falando de animação? A chamada ‘oitava arte’ foi sempre associada a divertimento infantil. Os críticos dizem que Miyazaki faz desenhos para adultos. Ele é o primeiro a discordar. Diz que seu espectador ideal tem 10 ou 14 anos e acrescenta que, com toda honestidade, fica surpreso e até não consegue entender como e por que o público na faixa dos 40 é tão atraído por seus filmes. A resposta é simples - os quarentões (e os cinquentões, sessentões) também já foram crianças, embora muitos pareçam ter-se esquecido disso.
Vidas ao Vento chama-se Le Vent se Lève, no original. O título, em francês, vem de um poema de Paul Valéry no Cemitério Marinho. A citação completa é feita mais de uma vez, e em francês - ‘Le vent se lève, il faut tenter de vivre.’ O vento se ergue, é preciso tentar viver. Vai nisso uma afirmação, e até uma tristeza - tentar viver é só o que nós, humanos, podemos fazer. Assim como cita Valéry, Miyazaki faz uma dupla dedicatória no final - a Jirô Horikoshi e a Tatsuo Hori. O primeiro foi um visionário designer de aviões e criou o Zero, um modelo que a Marinha imperial do Japão transformou em máquina de guerra. O outro, tradutor do francês, escreveu um livro narrando a agonia de sua amada, vítima de tuberculose crônica.
Quando garoto, o próprio Miyazaki viu a mãe morrer de tuberculose. E era filho e sobrinho de pequenos industriais ligados à aeronáutica. Os aviões foram sua primeira paixão. Não admira que eles - e o vento - estejam presentes em seus filmes. Alguns hão de preferir Porco Rosso, o único desenho verdadeiramente adulto de Miyazaki, ou A Viagem de Chihiro, pelo qual ele ganhou a Palma de Ouro.
Não importa - sua obra-prima (a última?) é mesmo Vidas ao Vento. Jirô, pouco mais que um garoto, encontra o lendário designer italiano Caproni, criador do Ca.309, modelo que se tornou conhecido como Ghibli, a palavra líbia que designa o vento do deserto (e virou o nome da empresa produtora de Miyazaki). Caproni e Jirô sonham com aviões para transportes de passageiros. São humanistas que veem suas máquinas voadoras despejar bombas, na guerra. A amada do herói, tuberculosa, tenta a cura num sanatório na montanha, mas... Vidas ao Vento deve ser adulto, porque os aviões matam e a doença, também. Face à adversidade, só resta tentar viver.