O filme do britânico Steve McQueen ('Shame'), badalado na temporada de prêmios, vencedor do Globo de Ouro e Bafta de melhor longa e favorito ao Oscar, não é meloso, muito menos melodramático ao falar sobre a luta pela sobrevivência de negros no fim do século 19 nos EUA. Ele é de uma racionalidade cortante ao abordar um dos períodos mais absurdos da história da humanidade.
Baseado no drama real narrado em livro de Solomon Northup, o longa apresenta uma passagem da vida do próprio. Quando a abolição ainda não era consenso nos Estados Unidos, ele (Chiwetel Ejiofor), um violinista negro, vivia tranquilamente com a família no Estado de Nova York, região que já havia aparentemente superado aquela questão. Mesmo com toda documentação em ordem, Solomon é sequestrado e levado para o Sul, terra onde a lei tardou um pouco mais a chegar. Lá ele foi durante 12 anos tratado feito bicho.
Talvez o longa não conseguisse conquistar tamanha projeção se não fosse a entrega competente de seu elenco e o pulso firme do diretor. Chiwetel Ejiofor, como o protagonista, guarda na fisionomia um certo ar de surpresa. Não é resignação. É uma indignação velada, o que cabia naquele momento. Em volta dele, orbitam os outros personagens que dão mais peso ao drama. Lupita Nyong'o, indicada ao Oscar em papel coadjuvante, representa a dicotomia entre revolta e resignação de Patsey, enquanto Michael Fassbender personaliza o branco monstro. Sim, é pra gente ter ódio dele.
A escolha do diretor em não ser didático e em não contaminar o discurso com clichês abolicionistas na maior parte do longa, também pesa a favor de 12 anos de escravidão. É como se o que ele mostra fosse tão absurdo que dispensa qualquer tipo de legenda, defesa ou crítica. Os atos deixam claro o quanto há de política como pano de fundo e o quanto essa política foi cega. Mesmo com economia de palavras e cenas fortes, de uma forma ou de outra, está tudo dito.
O escorregão do longa cai no colo de Brad Pitt, curiosamente um dos produtores. Ok, entendemos que a figura dele é capaz de atrair muita gente para os cinemas do mundo todo. A pergunta que fica é: será que ele precisava mesmo aparecer ali para fazer a vez do bonitinho politicamente correto? Definitivamente não.
Assista ao trailer de '12 anos de escravidão':
Vencedor do Globo de Ouro e do Bafta, '12 anos de escravidão' estreia em BH
Forte candidato ao Oscar aborda os absurdos da humanidade contra os negros, nos EUA, no século 19
Os filmes podem até reverberar de maneira diferente em cada pessoa. Mas mesmo que não seja um tema totalmente desconhecido, é impossível não se indignar em pelo menos uma passagem de '12 anos de escravidão'. E mais: é incrível como os anos passam, as sociedades mudam, mas certos preconceitos continuam assombrando o homem. Compreender a história com a ajuda do cinema não deixa de ser tentativa de expurgar o passado.