Berlim – Com céu límpido e pouca neve, Berlim abrigou a paleta de cores de 'The Grand Budapeste Hotel' (2014), de Wes Anderson, filme de abertura da 64ª Berlinale. Fruto de uma coprodução entre a Alemanha e a Fox, o longa foi rodado nos estúdios de Babelsberg, em Potsdam. Lendário, esse estúdio se transformou na sede da UFA, onde alguns dos filmes de Fritz Lang e Friedrich Murnau foram feitos. Durante o governo nazista, Goebbels interferiu estrategicamente na UFA e dali coordenou a produção de películas antissemitas. Vieram a Segunda Guerra Mundial, o muro, décadas de abandono. Desde 1992, Babelsberg voltou a receber investimentos maiores, o que permitiu coproduzir obras como 'Bastardos inglórios' (2009), de Quentin Tarantino.
De forma sutil, a história da UFA reverbera entre o glamour e os galpões vazios que rondam 'The Grand Hotel', situado no país imaginário de Zuborwska. Dali, Wes Anderson narra o auge e o declínio do hotel de luxo que hospedou aristocratas, novos-ricos e soldados fascistas. É lá que reina monsieur Gustav H. (Ralph Fiennes), um charmoso e sofisticado mordomo, cuja presença é reconhecida de longe pelo olfato característico do perfume L’air de Panache.
O cerne da trama se concentra nos ensinamentos de hábitos requintados, confissões, segredos e decoro com a aristocracia que monsiuer Gustav passa a Zero Moustafa (Tony Revolori), um simples lobby-boy em início de carreira. Com química própria, a dupla de personagens funciona de forma ímpar, envolve-se na briga pela herança de família que vive no castelo Lutz e retrata a cultura de solidariedade hoteleira que se alastra por vários continentes.
Aristocracia Com planos dinâmicos e versáteis, Wes Anderson atinge o cerne do imaginário aristocrático da Europa Oriental do início do século 20. Como quadros dentro de quadros, o filme conta as narrativas do livro 'The Grand Budapeste Hotel', sobre história de um escritor de meia-idade (Tom Wilkinson) que encontra o personagem Zero Moustafa já velho e milionário. É nessa sobreposição de tempos distintos que se alcança o encanto de monsieur Gustav. Anderson, habilmente, sintetiza esse universo em seu trabalho coreográfico, prenhe de detalhes, que narram a caixa rosa dos doces Muld’s, as cores renascentistas de um quadro roubado, os bigodes dos personagens.
No ambiente de abertura do festival, 'The Grand Budapeste Hotel' soava como uma escolha certeira e os gracejos de Wes Anderson assumiam explicitamente as referências às antigas comédias da UFA. Empolgado, o cineasta citou influências de divertidas obras de Ernst Lubitsch, outro diretor que se formou em Babelsberg, como Ser ou não ser (1942) e 'A loja da esquina' (1940).
Durante entrevista coletiva, Wes Anderson enfatizou sua admiração pelo escritor Stefan Zweig, cujas histórias lhe foram inspiradoras. Como bem diz o personagem do filme, cujo semblante lembra Zweig, a um escritor cabe apenas o papel de recolher, organizar e escutar as histórias prontas que as outras pessoas procuram compartilhar. 'The Grand Budapeste Hotel' seduz o espectador por envolvê-lo nessa fascinante teia que remete ao prazer, singelo, de contar e ouvir uma boa história.
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STEFAN ZWEIG
Austríaco de origem judaica, Stefan Zweig (1881-1942) é um dos nomes mais importantes da literatura mundial. Romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo, ele escreveu Amok, Angústia e Confusão de sentimentos, entre vários outros livros. Deixou uma obra-prima: a biografia de Maria Antonieta. Com a eclosão da 2ª Guerra Mundial, ele e a mulher, Lotte, abandonaram a Europa. Depois de morar nos EUA, o casal decidiu se radicar em Petrópolis (RJ). Zweig (foto) é autor do ensaio Brasil, país do futuro. Inconformado com a propagação do autoritarismo e descrente do futuro da humanidade, o casal se suicidou em 1942. Stefan e Lotte estão enterrados em Petrópolis.