'A vizinhança do tigre' coloca na tela grupo formado por Juninho (Aristides de Souza), Eldo (Eldo Rodrigues), Adilson Cordeiro (Adilson), Menor (Maurício Chagas) e Neguinho (Wederson Patrício). Divididos entre o trabalho, a diversão, o crime e a esperança, cada um deles tem de encontrar modos de superar as dificuldades que os cercam. O título do filme, explica o diretor, tem muitos significados. “Entre eles, pode-se pensar no tigre como metáfora para a ferocidade da juventude. Todos os personagens estão vivendo próximos ao tigre da idade”, observa.
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“Vivemos realidade parecida com a que está no filme”, conta Maurício Chagas do Nascimento Vaz, também de 19 anos. Para ele, está na tela ação de “um moleque descabeçado, que não pensa antes de fazer as coisas”, o que, observa, é muito da idade. “É momento em que estamos começando a conhecer o mundo e temos motivo para tudo: rir, chorar, ficar feliz ou triste.”. A dupla de atores adorou ver história deles na tela. Saborearam, inclusive, o reconhecimento nas ruas de Tiradentes depois da exibição do longa.
'A vizinhança do tigre' surgiu há três anos, conta Affonso Uchoa, do projeto de realizar algo no Bairro Nacional, onde mora. “É lugar forte, potente, digno de cinema”, observa. O diretor afirma que trabalhou movido pelo desejo de conhecer melhor a população e entender a vitalidade do local. “Sonhava com filme de jovens que, com idade não tão distante da minha, me deixassem à vontade”, diz. Durante um ano como assistente de direção, Warley Desali fez filmagens sem roteiro, improvisando com quem topava participar do projeto. “Foi momento de observação, de conversar, conhecer a vida dos personagens”, conta Affonso.
CAMINHO PRÓPRIO As situações foram se modificando, personagens foram desaparecendo e outros surgindo. Aos poucos o filme foi revelando seu próprio caminho. “O essencial era ficar alerta para entender o que estava surgindo”, conta o cineasta. Só depois de um ano de gravações foi feito um roteiro, em parceria com João Durmans, outro assistente de direção, a partir do que já havia sido realizado e prevendo novas cenas, encaminhando para a ficção. Nem todas a cenas previstas no roteiro foram filmadas, conta o diretor, porque a opção foi pelo processo aberto, atento aos personagens, com momentos para expressão da criatividade do elenco. 'A vizinhança do tigre' foi extraído de 130 horas de material filmado.
“Sabia que se conseguisse falar dos personagens do bairro de forma sincera, franca e honesta estaria falando do mundo”, afirma Affonso Uchoa. “O que está na tela é época de transformação, de desafios, mas juventude é isso”, diz. Os prêmios, para ele, sinalizam reconhecimento pela entrega de todos que participaram da produção e destaca a vitalidade dos atores, a quem credita tudo que está na tela. “É filme que tem impacto sobre o espectador”, observa. O diretor já está com novo projeto em andamento: 'O tempo que passa', nome provisório de longa-metragem a ser dirigido por ele e João Durmans.
Affonso Uchoa tem 29 anos, é formado em comunicação social pela UFMG e foi na escola que teve contato com cinema e equipamentos, tendo realizado na ocasião o curta-metragem que foi esboço para o primeiro longa, 'Mulher à tarde' (2010). Os prêmios em Tiradentes trouxeram visibilidade para 'A vizinhança do tigre', o que, espera o diretor, alimente desejo de ver o trabalho finalizado. “Fazemos filme para colocar no mundo e existir na vida das pessoas”, afirma. E agora? “Estamos de olho em mais festivais e na inscrição em editais para distribuição. Sem grana não dá para fazer nada. Cinema é mercado difícil, fechado, são poucas salas, que só têm espaço para comédias e filmes que são muito distantes do que fizemos”, conclui.
Três perguntas para...
Affonso Uchoa, Cineasta
O que você imaginava ao fazer o filme?
O que enxergava era filme com possibilidade de mudar a nossa realidade, sem ilusões, já que os problemas são complexos e antigos. Mas queria filme que nos transformasse, nem que fosse pela possibilidade de amadurecermos juntos. E que levasse o cinema para outro lugar. Mas para isso o cinema precisava de mudar, tinha de ser menor, mais pobre, mais econômico, mais orgânico, menos glamouroso, menos armado. Não adianta chegar no Bairro Nacional e achar que o modo tradicional de fazer cinema vai captar a vida e a vitalidade do bairro. Minha proposta era abrir uma ilha, um rasgo, um espaço para o sonho de avançar nossa vida, a do bairro, de sermos senhores da nossa história.
Existe um movimento cultural em Contagem?
Contagem é, infelizmente, avessa a cultura. Não existe uma ação incisiva do poder público para trazer a cultura para a cidade e a situação é de poucos teatros, poucos cinemas, poucas livrarias. Não temos nem lei de incentivo. É cidade muito assombrada pelo trabalho, que não percebe que precisa dar um passo histórico, que é necessário oferecer aos trabalhadores outro horizonte além do trabalho. O que está acontecendo é coincidência de várias pessoas fazendo cinema que moram em Contagem. O que, para mim, é sinal da dessacralização do cinema. Ele se tornou acessível para gente que não podia sonhar em fazer cinema e agora pode. Pessoas como nós, de Contagem, de classe média e modesta, que agora podemos fazer cursos, ter acesso a equipamentos e fazer filmes.
Por que a opção por cinema de ficção?
A vizinhança do tigre não é filme alheio ao documental. Mas se abre para outro tipo de documentação: o registro de experiência vital transformada em cinema. E gosto, sim, da ficção. É importante sonhar, pensar em como tornar o sonho possível, real, viável.