O último filme de Eduardo Coutinho foi, desde a idealização, um presente do diretor para si. "Exclusivamente para o meu prazer", declarou o cineasta sobre o processo de filmar 'As canções' (2011), em agradecimento a um prêmio conquistado pelo filme. No longa, o diretor reuniu 18 pessoas — de um total de 42 entrevistados — que apresentam à câmera suas canções favoritas, interpretando-as como podem e sabem. A única orientação destes anônimos em suas performances são as ligações afetivas que possuem com as faixas. Premiado no Festival do Rio em sua categoria, o filme tornou-se derradeiro na trajetória do cineasta, assassinado neste domingo, 2, no Rio de Janeiro.
Relembre a carreira de Eduardo Coutinho em fotos
Singela em roteiro e produção, a última investigação de Coutinho coroa com lirismo uma extensa filmografia de realidades cruas, como a relatada por habitantes de um povoado no sertão paraibano em 'O fim e o princípio' (2005) ou aquela refletida no discurso político de operários metalúrgicos em 'Peões' (2004). Mas o trabalho com as músicas não seria, segundo o próprio, seu único projeto de realização pessoal. "Todo filme, um pouco, você faz para você, e torce para que passe aos outros", afirmou o diretor no agradecimento pelo troféu de 'As canções'.
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Eduardo Coutinho
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Foi nesta época que o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE iniciou a produção de 'Cabra marcado para morrer', um longa de ficção baseado na história de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas em Pernambuco. Escolhido para dirigir o projeto, Eduardo Coutinho chegou a coordenar 15 dias de filmagens com o elenco, formado por camponeses locais.
A eclosão do Golpe Militar de 1964 levou à prisão de parte da equipe — formada por militantes do movimento estudantil — sob a suspeita de práticas comunistas. Com a intervenção dos militares e o reforço da censura, o projeto do longa foi adiado por 20 anos. Com os negativos resgatados em 1981, Coutinho refez contato com os personagens da história real e criou um relato sobre a opressão nos tempos da ditadura. Após a conclusão, em 1984, 'Cabra marcado para morrer' tornou-se obra-prima do artista, premiada em diversas mostras nacionais, latino-americanas e no Festival de Berlim.
Investigativo e experimental
Na década de 1970, Coutinho assinou roteiros de ficções como 'Dona Flor e seus dois maridos' (1976), de Bruno Barreto, ao mesmo tempo em que mantinha em exercício a veia documentarista através do programa 'Globo repórter' (TV Globo), onde assinou produções ousadas de jornalismo investigativo por duas décadas. Após dirigir a comédia 'O homem que comprou o mundo' (1968) e o drama 'Faustão' (1970), baseado na obra de Shakespeare, o cineasta passou a dedicar-se quase exclusivamente ao relato de histórias reais.
Relato e popularidade
Em 45 anos de atividade, Eduardo Coutinho assinou produções que são referência do gênero no Brasil, como 'O fio da memória' (1991), 'Boca de lixo' (1993) e 'Os romeiros de Padre Cícero' (1994). A explosão de popularidade viria com o lançamento de três filmes que venceram a resistência do público geral em relação a documentários. 'Santo forte' (1999), que lida com o ecletismo religioso em bairros e comunidades de periferia, levou mais de 18 mil espectadores aos cinemas. O longa foi seguido de 'Babilônia 2000' (2000), um olhar sobre os preparativos de moradores para a festa de ano-novo em um morro do Rio de Janeiro, assistido por cerca de 15 mil pessoas.
O interesse despertado por ambos resultou na procura significativa por 'Edifício Master' (2002), que reúne entrevistas com moradores de um condomínio residencial em Copacabana. Marcado pelo contraste de comportamentos e personalidades que dividem um espaço comum, o longa teve bilheteria em mais de 86 mil espectadores. Vencedor do Kikito de Ouro de Melhor Documentário no Festival de Gramado, o filme aproximou a obra de Coutinho do reconhecimento pela classe-média, que se via refletida na fala de seus personagens.
Reflexão da linguagem
Explorador de caminhos inusitados em cenários comuns, o diretor se aprofundou na reflexão sobre a dualidade do documentário em trabalhos mais recentes. 'Jogo de cena' (2007), coloca atores famosos como protagonistas de relatos oferecidos por pessoas desconhecidas.
'Moscou' (2009), seu penúltimo filme, acompanha a preparação de atores nos bastidores de uma peça de Tchekhov. Com linguagem próxima ao improviso, a obra é marcada pela busca de Coutinho pela isenção de intervenção. "Creio que a principal virtude de um documentarista é a de estar aberto ao outro, a ponto de passar a impressão, aliás verdadeira, de que o interlocutor, em última análise, sempre tem razão. Ou suas razões", escreveu o diretor em 1992 para o catálogo do Festival Cinéma du Réel.
No ano passado, quando completou 80 anos, Eduardo Coutinho foi homenageado pela Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo. A obra do artista também foi premiada com um Kikito de Cristal no Festival de Gramado, em 2007.
Assista o trailer de 'As canções', o último trabalho lançado por Eduardo Coutinho: