O que não falta ao novo longa do italiano Paolo Sorrentino, A grande beleza, é ironia. O problema é entender todas elas. São refinadíssimas e com crítica afiada para o modo de vida contemporâneo, o que se entende como arte, sucesso, riqueza, felicidade, enfim, conceitos carregados de subjetividade que rondam o dia a dia do mundo pasteurizado. E prepare-se: não há nenhuma mensagem direta, nada mastigado para o espectador neste longa vencedor do Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira. Inevitavelmente, é uma obra que força buscar interpretação para cenas que beiram o absurdo.
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A trama se passa em Roma e durante os 142 minutos acompanhamos o modo de vida particular de Jep Gambardella (Toni Servillo). Mais que isso: aprendemos a entender o mundo sob a ótica descrente dele. Autor de apenas um romance na vida – e que lhe garantiu fama –, é um homem que tem olhar esnobe para tudo, vive em festas de gente rica. Não há dúvidas do quanto Gambardella sabe como ninguém vestir as máscaras sociais. Também é mestre em descartá-las.
Ao mesmo tempo em que se recusa abertamente a ser mais um mundano entre nós, o protagonista desfruta das futilidades para destilar um olhar cruel para o que o cerca. Chega a ser impiedoso, mas sem jamais perder o humor. É como se ele escancarasse a decadência que há em tudo, seja na arquitetura romana, nos vícios da modernidade, no encontro entre amigos, nos relacionamentos amorosos, nos bastidores do poder, nas tramóias políticas e até na doutrina da igreja.
O roteiro assinado por Paolo e Umberto Contarello envolve o espectador de tal modo que, pouco a pouco, nos damos conta de que nem tudo é o que parece. O estranho tem seu lugar. Apesar de diálogos mordazes, o não dito vale mais do que é falado. O discurso, na verdade, está nas entrelinhas. Nesse sentido, elementos como fotografia do filme e a direção de arte contribuem para a construção da mensagem.
Graças ao talento do ator Toni Servillo, a empatia com Jep é quase imediata. Assim, é como se o protagonista compartilhasse com o espectador algo que é essencial para o longa: mesmo tendo teoricamente uma “boa” vida, não há como escapar de certo vazio. Ninguém é imune a isso. Não adianta ter dinheiro, estar cercado de amigos ou obras de arte. A despeito do título, 'A grande beleza fala', na verdade, da feiura da realidade. E o melhor: à italiana, samba na cara da sociedade.
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