Existem várias maneiras de contar uma história e milhares e milhares de formas de enxergar (ou absorver) a mesma trama. 'O Lobo de Wall Street', novo longa de Martin Scorsese com Leonardo DiCaprio, tem dividido opiniões. A adaptação para o cinema de autobiografia do corretor da Bolsa de Nova York Jordan Belfort ainda tem sessões de pré-estreia em Belo Horizonte, mas está em cartaz em nada menos que 10 salas da cidade.
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O lobo mau
Gracie Santos
História da ascensão social de ambicioso corretor da Bolsa de Valores de Nova York que busca a fortuna a qualquer preço. Sinopse de 'O Lobo de Wall Street' que pode acabar levando pessoas erradas ao cinema. Economia e/ou política são apenas cenário, não fazem parte do universo pessoal dos personagens, mera caricatura de golpistas pervertidos. A trama se desenrola (ou se enrola?) em torno de sexo e drogas, infelizmente, sem rock’n’roll. Pior, faz piadas de mau gosto com coisa séria, incensando comportamentos escusos. E, pra completar, tem fim moralista – se não queria fazer julgamentos, pra que acabar daquele jeito?.
Em pouco tempo, seremos apresentados a Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), o “Lobo” em questão. Saberemos como ele ganhou o apelido, seu dinheiro, fama e, principalmente, conheceremos seus hobbies (ou taras?). Aliás, não vai demorar muito pra todo mundo entender que sexo e drogas consomem o desequilibrado (divertido?) Jordan. São muitos os momentos em que humor do filme não deixa nada a dever às comédias brasileiras. E isso não é um elogio. As cafungadas, orgias e gracinhas se repetem 10, 20 vezes... enquanto a “trama” não deslancha.
Existe, claro, muita expectativa em relação a filmes de Martin Scorsese, afinal, ele é autor de pérolas como o clássico 'Táxi Driver' (1976); 'Gangues de Nova York' (2002) e 'A invenção de Hugo Cabret' (2013). O mesmo se pode dizer em relação a DiCaprio, sem sombra de dúvidas o melhor ator americano de sua geração. Impossível não se lembrar dele em interpretações memoráveis como as de Calvin Candie (em 'Django livre', 2012); Danie Archer ('Diamante de sangue', 2006); Howard Hughes ('O aviador', 2004) ou Amsterdam Vallon (em Gangues...).
Não é exagero dizer que essa é a pior parceria entre ator e diretor, que estiveram juntos em cinco filmes, entre eles o ótimo 'Os infiltrados' (2006). O maior problema de 'O Lobo de Wall Street' é não vencer sequer pelo cansaço, pelo simples fato de não deixar claro a que veio. Superficial e leviano, o Jordan de Scorsese não parece querer, como DiCaprio chegou a declarar, denunciar o universo “tóxico” em que vive. Na memória, fica apenas a “farra” que é a vida do cara.
Coadjuvantes agem como insetos em volta da lâmpada, movimentam-se em torno do circo montado para Jordan. Tem até cenas engraçadas, uma certamente vai ficar na história do cinema: DiCaprio se contorce rolando escada abaixo depois de uma droga pesada. Já pensou se ele ganhar o Oscar logo agora, fazendo papel tão “pequeno”? Seria um péssimo momento para coroar o conjunto da obra. Difícil é pensar que um dia a gente pudesse torcer pra Leo sair logo de cena. E, olha, ele demora. São intermináveis três horas de filme.
Quer ver 'O lobo de Wall Street'?, espere a estreia de 'Trapaça', em 7 de fevereiro. Tudo bem, é outra história (a gente conta depois), mas era impossível perder a piada, já que andam chamando o diretor David O. Russel de “Scorsese light”. Que nada, o filme dele é que parece do Scorsese; já esse Scorsese bem podia ter o Fábio Porchat no papel principal e ser uma comédia brasileira. Custaria mais barato e só iria assistir quem gosta de rir à-toa.
O lobo bom
Helvécio Carlos
Filmes que têm como pano de fundo o mercado financeiro geralmente não têm muita ação. Não bastassem tramas lentas, o que não faltam são números e termos comuns ao mundo dos negócios. O que não gera empatia com o grande público. Indicado a cinco estatuetas – melhor filme, direção, roteiro adaptado, ator (Leonardo DiCaprio, que apesar de estar excepcional em cena deve perder para Matthew McConaughey) e ator coadjuvante (Jonah Hill) – 'O Lobo de Wall Street' prova que, não só pela boa repercussão nas sessões de pré-estreias em Belo Horizonte, Scorsese conseguiu grande feito.
Não bastasse a grande experiência do diretor, o roteiro baseado no livro homônimo escrito pelo próprio Belfort é material pronto. Por mais genial que fosse um autor, dificilmente conseguiria criar personagem tão canalha como ele. Tanto que quase tudo na tela é verdade. Nada foi criado para causar. Seja pelo excesso de cenas de sexo ou drogas, seja pelos golpes em pequenos, médios e grandes investidores que correm soltos ao longos de 180 minutos. Claro que em alguns países, como Malásia e Nepal, o filme foi banido. Na Índia recebeu cortes.
Em entrevistas, disse que não fez julgamento da personagem. Tarefa que deixou ao público, que volta para casa com a triste de certeza de que, em alguns casos, lamentavelmente, o crime, mesmo na América, compensa. O Belfort que vemos na tela é a cópia daquele que está nas memórias escritas. Entre golpes iniciados aos 24 anos, o corretor faturou cerca de US$ 8 bilhões. Dinheiro que entrou fácil – à base de muita lábia com investidores – e saiu mais fácil ainda, na compra de mansão, helicóptero, sexo e drogas.
Se não são exatamente como foram contadas por Belfort, as cenas dirigidas por Scorsese têm pequenas diferenças. Em uma das comemorações por conquistar grande volume financeiro, o chefe “presenteou” seus funcionários com mulheres nuas e uma brincadeira com um anão. A orgia e o joguinho, não existiram. Mas servem para retratar o delírios e absurdos que marcaram anos seguidos da vida do corretor. Já a viagem de iate de um ponto do litoral italiano para Mônaco foi trágica e tensa, com uma diferença. No filme, Belfort obriga o comandante a enfrentar mal tempo para chegar ao destino. No livro, é o próprio corretor quem pilota a embarcação sob efeitos de drogas sintéticas. A cena é de tirar o fôlego.
E, claro, é de Leonardo DiCaprio uma das cenas mais divertidas do longa. Depois de encher a cara com droga vencida, ele entra numa bad trip daquelas. Ali o ator mostra que tem talento e até parece se divertir, Como poucos, soube levar a sério o verbo “to play”. Só a cena vale o ingresso. Jonah Hill (Donnie Azoff) foi escolha acertada de Scorsese. O rapaz também tem jogo de cintura e boas cenas como o braço direito de Belfort. Assim como a bela Margot Robbie no papel de Naomi Lapaglia.
O filme provoca gargalhadas. Mas, o público não ri para validar, apoiar ou glamourizar toda aquela história. É um riso nervoso frente a tanta desonestidade e de imaginar os bastidores sujos do mundo do mercado financeiro. O uso de palavrões é exagerado, por isso, o longa já é recordista na história do cinema: são 506 fucks, segundo estatística da revista Variety, ditos ao longo do filme. Talvez o grande problema do filme de Scorsese seja a duração. O que não é um problema específico do diretor. A cada ano crescem o número de longas que chegam às três horas de projeção. Nada que tire os méritos de 'O Lobo de Wall Street'.