Cinema

'O Lobo de Wall Street' divide opiniões com história de corretor da bolsa norte-americana

Leonardo DiCaprio protagoniza homem que só pensa em dinheiro, drogas e sexo na nova comédia de Martin Scorsese

Gracie Santos Helvécio Carlos

Em sua quinta parceria com Scorsese, Leonardo DiCaprio interpreta Jordan Belfort em filme adaptado de biografia
Existem várias maneiras de contar uma história e milhares e milhares de formas de enxergar (ou absorver) a mesma trama. 'O Lobo de Wall Street', novo longa de Martin Scorsese com Leonardo DiCaprio, tem dividido opiniões. A adaptação para o cinema de autobiografia do corretor da Bolsa de Nova York Jordan Belfort ainda tem sessões de pré-estreia em Belo Horizonte, mas está em cartaz em nada menos que 10 salas da cidade.

 

Veja os horários das sessões de 'O Lobo de Wall Street'

 


O lobo mau

Gracie Santos

 

História da ascensão social de ambicioso corretor da Bolsa de Valores de Nova York que busca a fortuna a qualquer preço. Sinopse de 'O Lobo de Wall Street' que pode acabar levando pessoas erradas ao cinema. Economia e/ou política são apenas cenário, não fazem parte do universo pessoal dos personagens, mera caricatura de golpistas pervertidos. A trama se desenrola (ou se enrola?) em torno de sexo e drogas, infelizmente, sem rock’n’roll. Pior, faz piadas de mau gosto com coisa séria, incensando comportamentos escusos. E, pra completar, tem fim moralista – se não queria fazer julgamentos, pra que acabar daquele jeito?.


Em pouco tempo, seremos apresentados a Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), o “Lobo” em questão. Saberemos como ele ganhou o apelido, seu dinheiro, fama e, principalmente, conheceremos seus hobbies (ou taras?). Aliás, não vai demorar muito pra todo mundo entender que sexo e drogas consomem o desequilibrado (divertido?) Jordan. São muitos os momentos em que humor do filme não deixa nada a dever às comédias brasileiras. E isso não é um elogio. As cafungadas, orgias e gracinhas se repetem 10, 20 vezes... enquanto a “trama” não deslancha.


Existe, claro, muita expectativa em relação a filmes de Martin Scorsese, afinal, ele é autor de pérolas como o clássico 'Táxi Driver' (1976); 'Gangues de Nova York' (2002) e 'A invenção de Hugo Cabret' (2013). O mesmo se pode dizer em relação a DiCaprio, sem sombra de dúvidas o melhor ator americano de sua geração. Impossível não se lembrar dele em interpretações memoráveis como as de Calvin Candie (em 'Django livre', 2012); Danie Archer ('Diamante de sangue', 2006); Howard Hughes ('O aviador', 2004) ou Amsterdam Vallon (em Gangues...).


Não é exagero dizer que essa é a pior parceria entre ator e diretor, que estiveram juntos em cinco filmes, entre eles o ótimo 'Os infiltrados' (2006). O maior problema de 'O Lobo de Wall Street' é não vencer sequer pelo cansaço, pelo simples fato de não deixar claro a que veio. Superficial e leviano, o Jordan de Scorsese não parece querer, como DiCaprio chegou a declarar, denunciar o universo “tóxico” em que vive. Na memória, fica apenas a “farra” que é a vida do cara.


Coadjuvantes agem como insetos em volta da lâmpada, movimentam-se em torno do circo montado para Jordan. Tem até cenas engraçadas, uma certamente vai ficar na história do cinema: DiCaprio se contorce rolando escada abaixo depois de uma droga pesada. Já pensou se ele ganhar o Oscar logo agora, fazendo papel tão “pequeno”? Seria um péssimo momento para coroar o conjunto da obra. Difícil é pensar que um dia a gente pudesse torcer pra Leo sair logo de cena. E, olha, ele demora. São intermináveis três horas de filme.


Quer ver 'O lobo de Wall Street'?, espere a estreia de 'Trapaça', em 7 de fevereiro. Tudo bem, é outra história (a gente conta depois), mas era impossível perder a piada, já que andam chamando o diretor David O. Russel de “Scorsese light”. Que nada, o filme dele é que parece do Scorsese; já esse Scorsese bem podia ter o Fábio Porchat no papel principal e ser uma comédia brasileira. Custaria mais barato e só iria assistir quem gosta de rir à-toa.

 

O lobo bom

Helvécio Carlos

 

Filmes que têm como pano de fundo o mercado financeiro geralmente não têm muita ação. Não bastassem tramas lentas, o que não faltam são números e termos comuns ao mundo dos negócios. O que não gera empatia com o grande público. Indicado a cinco estatuetas – melhor filme, direção, roteiro adaptado, ator (Leonardo DiCaprio, que apesar de estar excepcional em cena deve perder para Matthew McConaughey) e ator coadjuvante (Jonah Hill) – 'O Lobo de Wall Street' prova que, não só pela boa repercussão nas sessões de pré-estreias em Belo Horizonte, Scorsese conseguiu grande feito.


O diretor nova-iorquino acertou na mosca ao levar para as telas a história de Jordan Belfort, o mau caráter que começou como estagiário em um escritório e viu ali, no mercado financeiro, como seria fácil ficar milionário fraudando investidores. Scorsese também fez ótima escolha ao convidar Leonardo DiCaprio para o papel-título. Quinto trabalho que fazem juntos, 'O Lobo...' mostra que a relação profissional entre os dois está amadurecida. Scorsese sabe o que pode pedir a seu ator favorito, que se entrega totalmente ao comando do mestre. No caso do longa, a entrega é total, especialmente nas cenas de sexo onde, assim como sua personagem, DiCaprio não teve nenhum pudor.


Não bastasse a grande experiência do diretor, o roteiro baseado no livro homônimo escrito pelo próprio Belfort é material pronto. Por mais genial que fosse um autor, dificilmente conseguiria criar personagem tão canalha como ele. Tanto que quase tudo na tela é verdade. Nada foi criado para causar. Seja pelo excesso de cenas de sexo ou drogas, seja pelos golpes em pequenos, médios e grandes investidores que correm soltos ao longos de 180 minutos. Claro que em alguns países, como Malásia e Nepal, o filme foi banido. Na Índia recebeu cortes.


Em entrevistas, disse que não fez julgamento da personagem. Tarefa que deixou ao público, que volta para casa com a triste de certeza de que, em alguns casos, lamentavelmente, o crime, mesmo na América, compensa. O Belfort que vemos na tela é a cópia daquele que está nas memórias escritas. Entre golpes iniciados aos 24 anos, o corretor faturou cerca de US$ 8 bilhões. Dinheiro que entrou fácil – à base de muita lábia com investidores – e saiu mais fácil ainda, na compra de mansão, helicóptero, sexo e drogas.


Se não são exatamente como foram contadas por Belfort, as cenas dirigidas por Scorsese têm pequenas diferenças. Em uma das comemorações por conquistar grande volume financeiro, o chefe “presenteou” seus funcionários com mulheres nuas e uma brincadeira com um anão. A orgia e o joguinho, não existiram. Mas servem para retratar o delírios e absurdos que marcaram anos seguidos da vida do corretor. Já a viagem de iate de um ponto do litoral italiano para Mônaco foi trágica e tensa, com uma diferença. No filme, Belfort obriga o comandante a enfrentar mal tempo para chegar ao destino. No livro, é o próprio corretor quem pilota a embarcação sob efeitos de drogas sintéticas. A cena é de tirar o fôlego.


E, claro, é de Leonardo DiCaprio uma das cenas mais divertidas do longa. Depois de encher a cara com droga vencida, ele entra numa bad trip daquelas. Ali o ator mostra que tem talento e até parece se divertir, Como poucos, soube levar a sério o verbo “to play”. Só a cena vale o ingresso. Jonah Hill (Donnie Azoff) foi escolha acertada de Scorsese. O rapaz também tem jogo de cintura e boas cenas como o braço direito de Belfort. Assim como a bela Margot Robbie no papel de Naomi Lapaglia.

O filme provoca gargalhadas. Mas, o público não ri para validar, apoiar ou glamourizar toda aquela história. É um riso nervoso frente a tanta desonestidade e de imaginar os bastidores sujos do mundo do mercado financeiro. O uso de palavrões é exagerado, por isso, o longa já é recordista na história do cinema: são 506 fucks, segundo estatística da revista Variety, ditos ao longo do filme. Talvez o grande problema do filme de Scorsese seja a duração. O que não é um problema específico do diretor. A cada ano crescem o número de longas que chegam às três horas de projeção. Nada que tire os méritos de 'O Lobo de Wall Street'.