Uma notícia é boa, outra ruim. Nem é preciso perguntar qual você quer saber primeiro. As boas-novas já foram dadas. Empurrado pelas comédias escrachadas, o cinema brasileiro celebra este ano recordes de público (27 milhões), renda (R$ 260 milhões) e lançamentos (126 filmes). Agora, a notícia ruim: a produção cinematográfica nacional enfrenta a triste constatação de que boas obras como 'Serra Pelada' (de Heitor Dhalia, com quase 400 mil espectadores) e 'Flores raras' (de Bruno Barreto, com 276 mil) ficaram menos que o esperado em cartaz, estão muito longe da marca de 1 milhão de espectadores e até andaram frequentando, na imprensa, indesejáveis listas de “fracassos” do ano. Mais: outras produções fora do gênero “eleito” pelo brasileiro para “dar certo” não emplacaram um mês em cartaz, enquanto alguns nem sequer conseguiram estrear.
Simone Matos defende que distribuidores precisam perceber que o dinheiro do filme está também na tela e não apenas em bilheteria ou produtos. “Está no apuro técnico, na dramaturgia, na forma da narrativa,” diz. Defendendo a produção “lado B”, ela revela que os frutos das obras da Quimera (todas dirigidas por Ratton) são muitos, colhidos frequentemente. “Três de nossos filmes estão citados em livros didáticos, Amor & cia, Batismo de sangue e Pequenas histórias – este último se tornou tema de vestibular ao lado de conto de Carlos Drummond de Andrade. Uma onda no ar contribuiu para a legalização de uma rádio pirata, a Rádio Favela. E o documentário O mineiro e o queijo foi citado em público pelos produtores como ponto forte na luta pela liberação da comercialização do produto fora do estado”.
Sucesso?
“Nada contra as comédias,” garante Simone Matos, para quem num cenário econômico como o nosso o público quer sair de casa e dar risadas. O problema é serem a única alternativa. “Muitas têm o mesmo formato, um personagem famoso da TV (Globo), um bom ator, marketing perfeito e fazem grande bilheteria. Fico pensando: isso é realmente sucesso?”, pergunta-se Simone Matos, lembrando que a Academia Brasileira de Cinema, por exemplo, em sua premiação recente, desconheceu recordes e privilegiou Gonzaga – De pai para filho, de Breno Silveira, a história do Rei do Baião.
“Se você não está no caminho da comédia, é um peixe fora d’água, voz dissonante. Quando Fernando Meirelles fez Xingu – O filme, chegou a dizer que o brasileiro não gosta de índio, da sua história. Nossa cultura deve ser diversificada”, afirma Simone Matos. A produtora defende maior diálogo com a distribuição, mas também diz que as salas de exibição são apenas uma grande porta de entrada para o filme. Devem ser pensadas outras estratégias. “Muitos se sentem derrotados. O compromisso com a venda de ingressos não pode ser o leitmotiv. Dá tristeza pensar que o nosso universo tem que se resumir ao riso”, conclui.
Palavra de
especialista
Editor do site da Filme B
Pequeno milagre
As pessoas adoram pegar casos para denegrir um modelo como um todo. Desde que o cinema existe ele é atividade de alto risco. Por mais que você trabalhe pelo sucesso existem fracassos, mas eles precisam ser vistos no contexto, analisados. Hoje, no Brasil, as pessoas começam a ver cinema como conjunto, da produção à distribuição, apostando em filmes competitivos. Mas ainda é preciso maior diálogo entre produtor e distribuidor. Costumo dizer que tirar as pessoas de casa para assistir a um filme nos dias atuais, com tantas opções, até a irregular pirataria, é um pequeno milagre. Épicos têm dificuldade maior que a comédia, que custa, muitas vezes, mais barato. E daí, vamos fazer só comédia? Cidade de Deus estimava público de 500 mil e passou de 3 milhões. Aparentemente, não era o tipo de produção que abriria portas. Não há fórmulas. Você tem que fazer o filme que as pessoas não sabiam que queriam ver.
Campanha pelo Oscar
A vitória do filme de qualidade de mercado ajuda muita gente a empilhar montanhas de dinheiro; para outros, é difícil fechar o caixa. Paula Barreto, da LC Barreto, por exemplo, conta que Flores raras entrou no azul há pouco (apenas para a distribuidora, Imagem Filmes). O longa, de acordo com dados da Filme B, fez público de 275.888 e renda de R$ 3.399.944,00. Entre outras coisas, ela atribui a pouca visibilidade à distribuição. “Foi meio equivocada. A Imagem Filmes optou por entrar em mais de 90 salas, deveria ser em menos. Não tiveram a humildade de nos escutar, deveriam ter levado em conta a experiência da LC Barreto, no mercado há 50 anos”, cobra.
Agora, eles vão correr em outra raia. Apostam no mercado internacional (Europa e EUA). Como Flores raras é 98% falado em inglês (foi lançado em 8 de novembro em Nova York e em 29 de novembro em Los Angeles), estão em campanha pesada pelo Oscar. “Queremos que o filme tenha quatro indicações: atriz, atriz coadjuvante, diretor e roteiro. Estamos em meio a uma megaoperação, com projeções para sindicatos norte-americanos. O investimento nessa campanha nos EUA é de US$ 200 mil”, conta.
“O problema é que o cinema é atividade de alto risco, cada caso é um caso, cada filme uma história. Flores raras foi lançado só em cinemas para ricos. Brigamos para que fosse para salas da classe média, então bombou”, avalia, citando como exemplo de acerto Cine Holliúdy (de Halder Gomes), “que fez quase 400 mil com o lançamento correto. O público quer ser ver na tela, o filme fala em ‘cearansês’ e lá foi sucesso. O quatrilho fez 750 mil no Sul; Dona flor e seus dois maridos foi sucesso na Bahia. Meu pai (Barretão) usou a estratégia certa, lançou pequeno para depois abrir. É preciso avaliar bem as peculiaridades”, ensina Paula Barreto, que prepara para o primeiro semestre de 2014 o lançamento de Flores raras em DVD no Brasil.