Não importa quem está perto. Se está parado ou em movimento. A música é constante na vida do dançarino Jonathas da Costa. Fone de ouvido? Ah, não precisa. “Para quê? Todo mundo curte. Funk é o melhor que está tendo”, garante, sem se desgrudar do aparelho. O rapaz de 20 anos circula pelo Alto Vera Cruz munido de 400 músicas no celular. Em casa, tem outras 3 mil no computador. Isso para variar de vez em quando. O que não muda é a rotina. Sair com o som desligado, nem pensar.
“É normal. Tem gente que passa aí com caixinha de música altão. Ando escutando o tempo inteiro”, reforça. Jonathas não tá sozinho. “Muitos passageiros não gostam, pedem para abaixar. Mas eles vão lá para trás e continuam ouvindo”, conta o cobrador de ônibus Mauro Sérgio Ferreira Alves. Ele, claro, de fone de ouvido pendurado, garante que não se importa mais.
É essa a realidade registrada pelo documentário 'Esculacho', com estreia marcada para amanhã, na Sala José Tavares de Barros do Sesc Palladium. Com 22 minutos de duração, o filme é um retrato de como a música tem sido consumida por jovens de periferia. Com a popularização de telefones celulares, players e caixinhas de som portáteis , o curta mostra como os aparatos viraram moda na sonorização - muitas vezes forçada - dos itinerários de ônibus coletivos da capital. “Este filme nasceu de um incômodo. Via aquilo e me perguntava: como assim, por que isso?”, conta o diretor Marcelo Reis.
Intrigado, o cineasta decidiu embarcar na onda para tentar entender, na prática, de onde vem esse hábito. Com projeto aprovado no Fundo Municipal de Cultura, gastou cerca de R$ 400 só em passagens de ônibus em 2011 e 2012. Para lá e para cá na capital e periferia, munido de uma câmera, visitou nove “quebradas”, nas quais flagrou gente que escuta música de todos os modos. Por uma decisão pessoal, nenhum personagem é identificado e também não há qualquer julgamento. Em 'Esculacho' não há certo e errado. Há a constatação de uma cultura.
“O curta tem uma contribuição significativa, porque traz uma realidade que precisa ser encarada”, ressalta Juarez Dayrell, professor e pesquisador da UFMG. Autor de estudos sobre o rap e o funk como processos de afirmação da juventude, ele observa que o filme joga luz em uma realidade que não diz respeito apenas à juventude, mas também à cultura popular. “É uma forma de as camadas populares se colocarem na cena pública e isso traz questionamentos”. Sem posicionamento rígido, 'Esculacho' apresenta a realidade e acende a polêmica.
Juarez Dayrell observa que o filme ajuda a refletir sobre a diversidade das expressões populares brasileiras. Por exemplo, é próprio do comportamento da maioria dos usuários de coletivos a mistura entre o que é público e privado. Ouvir música alta, sem fones de ouvido, por isso se torna um hábito. “Tem uma questão que incomoda muito a classe média, que é a tendência de expressão direta da emoção. Na periferia, quando a pessoa sente alguma coisa fala na hora, sem restrições. Fala-se alto, diverte-se alto. A classe média tem a cultura da retenção. A emoção passa pela razão. Nesse sentido,'Esculacho' expõe isso: se gosto de música, coloco no talo. Não tem juízo de valor”, comenta Dayrell.
Alegria
Segundo trabalho da carreira de Marcelo Reis, responsável pelo longa 'Aterro' (2011), 'Esculacho' recebeu legendas em inglês, espanhol e francês, com o objetivo de levar para o exterior uma realidade brasileira. Entender a cultura do funk passa também por compreender seu contexto. Juarez Dayrell é contrário à demonização feita ao gênero. Como explica, desde quando surgiu, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o funk tem sido objeto de preconceito. Muitas vezes tratado como expressão do pobre, do preto e do favelado, o estilo costuma causar estranhamento quando sai da periferia e invade o Centro. Por trás do hábito de ouvir as “paradas” em alto e bom som, um posicionamento contra as péssimas condições de vida e de transporte.
'Esculacho' não apenas evidencia essa realidade como também salienta o quanto os fãs têm no gênero a tradução do modo de expressar a alegria, independentemente do que se diz. “O que vale no funk, mais do que a letra, é a batida, que é muito forte”, diz Dayrell. Ouvir música alta em locais públicos evidencia determinada visão de mundo, que pode em alguns momentos gerar conflito com outros códigos e comportamentos. 'Esculacho' está aí para convocar à reflexão.
“O bom do filme é trazer a discussão. Há um debate que tem que ser travado, mas ele não pode partir do preconceito. É preciso construir um consenso sobre os limites. Não pode ser uma postura preconceituosa”, conclui Juarez Dayrell.
Quase lei
A prática de ouvir música em coletivos de Belo Horizonte quase foi proibida. Em 2009, o vereador Léo Burguês (PT do B) apresentou projeto que restringia o uso de qualquer tipo de aparelho sonoro ou musical dentro dos ônibus. Quem se sentisse incomodado poderia solicitar ao cobrador que chamasse a polícia para retirar o responsável do veículo. O PL 908/2009 tramitou, foi aprovado em primeiro turno, mas arquivado em janeiro deste ano por não ter sido apreciado até o fim da 16ª legislatura.
Esculacho
Filme de Marcelo Reis, com 22 minutos. Amanhã, às 16h. Sala José Tavares de Barros, Sesc Palladium. Av. Augusto de Lima, 420, Centro, (31) 3270-8100. Entrada franca, com distribuição de ingressos 30 minutos antes da sessão. Em caso de lotação da casa, poderá haver segunda exibição. Classificação: 14 anos.
Assista ao trailer do filme:
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É essa a realidade registrada pelo documentário 'Esculacho', com estreia marcada para amanhã, na Sala José Tavares de Barros do Sesc Palladium. Com 22 minutos de duração, o filme é um retrato de como a música tem sido consumida por jovens de periferia. Com a popularização de telefones celulares, players e caixinhas de som portáteis , o curta mostra como os aparatos viraram moda na sonorização - muitas vezes forçada - dos itinerários de ônibus coletivos da capital. “Este filme nasceu de um incômodo. Via aquilo e me perguntava: como assim, por que isso?”, conta o diretor Marcelo Reis.
Intrigado, o cineasta decidiu embarcar na onda para tentar entender, na prática, de onde vem esse hábito. Com projeto aprovado no Fundo Municipal de Cultura, gastou cerca de R$ 400 só em passagens de ônibus em 2011 e 2012. Para lá e para cá na capital e periferia, munido de uma câmera, visitou nove “quebradas”, nas quais flagrou gente que escuta música de todos os modos. Por uma decisão pessoal, nenhum personagem é identificado e também não há qualquer julgamento. Em 'Esculacho' não há certo e errado. Há a constatação de uma cultura.
“O curta tem uma contribuição significativa, porque traz uma realidade que precisa ser encarada”, ressalta Juarez Dayrell, professor e pesquisador da UFMG. Autor de estudos sobre o rap e o funk como processos de afirmação da juventude, ele observa que o filme joga luz em uma realidade que não diz respeito apenas à juventude, mas também à cultura popular. “É uma forma de as camadas populares se colocarem na cena pública e isso traz questionamentos”. Sem posicionamento rígido, 'Esculacho' apresenta a realidade e acende a polêmica.
Juarez Dayrell observa que o filme ajuda a refletir sobre a diversidade das expressões populares brasileiras. Por exemplo, é próprio do comportamento da maioria dos usuários de coletivos a mistura entre o que é público e privado. Ouvir música alta, sem fones de ouvido, por isso se torna um hábito. “Tem uma questão que incomoda muito a classe média, que é a tendência de expressão direta da emoção. Na periferia, quando a pessoa sente alguma coisa fala na hora, sem restrições. Fala-se alto, diverte-se alto. A classe média tem a cultura da retenção. A emoção passa pela razão. Nesse sentido,'Esculacho' expõe isso: se gosto de música, coloco no talo. Não tem juízo de valor”, comenta Dayrell.
Alegria
Segundo trabalho da carreira de Marcelo Reis, responsável pelo longa 'Aterro' (2011), 'Esculacho' recebeu legendas em inglês, espanhol e francês, com o objetivo de levar para o exterior uma realidade brasileira. Entender a cultura do funk passa também por compreender seu contexto. Juarez Dayrell é contrário à demonização feita ao gênero. Como explica, desde quando surgiu, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o funk tem sido objeto de preconceito. Muitas vezes tratado como expressão do pobre, do preto e do favelado, o estilo costuma causar estranhamento quando sai da periferia e invade o Centro. Por trás do hábito de ouvir as “paradas” em alto e bom som, um posicionamento contra as péssimas condições de vida e de transporte.
'Esculacho' não apenas evidencia essa realidade como também salienta o quanto os fãs têm no gênero a tradução do modo de expressar a alegria, independentemente do que se diz. “O que vale no funk, mais do que a letra, é a batida, que é muito forte”, diz Dayrell. Ouvir música alta em locais públicos evidencia determinada visão de mundo, que pode em alguns momentos gerar conflito com outros códigos e comportamentos. 'Esculacho' está aí para convocar à reflexão.
“O bom do filme é trazer a discussão. Há um debate que tem que ser travado, mas ele não pode partir do preconceito. É preciso construir um consenso sobre os limites. Não pode ser uma postura preconceituosa”, conclui Juarez Dayrell.
Quase lei
A prática de ouvir música em coletivos de Belo Horizonte quase foi proibida. Em 2009, o vereador Léo Burguês (PT do B) apresentou projeto que restringia o uso de qualquer tipo de aparelho sonoro ou musical dentro dos ônibus. Quem se sentisse incomodado poderia solicitar ao cobrador que chamasse a polícia para retirar o responsável do veículo. O PL 908/2009 tramitou, foi aprovado em primeiro turno, mas arquivado em janeiro deste ano por não ter sido apreciado até o fim da 16ª legislatura.
Esculacho
Filme de Marcelo Reis, com 22 minutos. Amanhã, às 16h. Sala José Tavares de Barros, Sesc Palladium. Av. Augusto de Lima, 420, Centro, (31) 3270-8100. Entrada franca, com distribuição de ingressos 30 minutos antes da sessão. Em caso de lotação da casa, poderá haver segunda exibição. Classificação: 14 anos.
Assista ao trailer do filme: