O lado atriz de Leandra Leal boa parte das pessoas conhece, mas a faceta de diretora, ainda mais de um longa-metragem, é novidade. “O ator tem um olhar sobre o mundo e sobre pesquisa que é diferente. E acho que esse trabalho que estou fazendo no momento é exatamente esse registro a partir da minha vida de atriz”, revela. A carioca, que soma 19 filmes, 24 projetos de televisão e sete espetáculos teatrais na carreira, está dirigindo o documentário musical Divinas divas, empreitada que surgiu há sete anos, sendo que há três começou a ser rodada. A produção resgata a trajetória de oito artistas pioneiras: Rogéria, Jane Di Castro, Waléria, Camille K, Fujika de Halliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios, que foram os primeiros homens que se travestiram nos palcos cariocas no fim dos anos 1960, em pleno regime militar. Ano que vem, boa parte delas completam 50 anos de carreira, ainda em atividade, como cantoras, atrizes e comediantes. “Eu as conheço desde criança, porque muitas delas trabalharam e ainda trabalham no Teatro Rival, que pertence à minha família. Sempre acompanhei suas trajetórias e me encantei não só pelo fato de serem pioneiras, mas pela potência artística de cada uma. Todas são apaixonadas pela arte, ela ocupa um lugar central na vida delas”, destaca Leandra.
Além do depoimento das personagens principais, a diretora fez questão de conversar com amigos, familiares e com os companheiros de toda a vida, como o fazendeiro baiano Otávio Bonfim, casado há 44 anos com Jane Di Castro. “A gente conta a história delas dentro e fora dos palcos. Impressionei-me com a trajetória de todas que conseguiram quebrar padrões”, frisa Leandra.
Veteranos A atriz, que já tinha tido experiências atrás das câmeras em clipes, além de já ter produzido filmes, revela que a dedicação é grande no projeto Divinas divas – uma realização da Daza, sua produtora ao lado das sócias e amigas de infância Carolina Benjamin e Rita Toledo – e que tem sido extremamente prazeroso estar nos bastidores. Leandra Leal fez questão de se cercar de gente tarimbada e veterana, como o premiado ator e diretor teatral Gustavo Gasparani, o diretor musical e produtor Plínio Profeta e o diretor de arte Cláudio Amaral Peixoto.
Se a expectativa e a empolgação de Leandra são imensas, imagine a das homenageadas. Jane Di Castro, que tem 47 anos de carreira, acha importante apresentar uma história tão bonita e de superação como a sua e de suas colegas e o fato de ter a atriz no comando dá credibilidade ainda maior. “É um sonho nosso e da Leandra. Ela é uma jovem muito talentosa, de prestígio, que acreditou nesse projeto e percebeu que era uma história que merecia ser contada. Não deixa de ser também um exemplo”, opina. Já Rogéria, que em 2014 completa cinco décadas de trajetória artística, também ressalta o papel de Leandra Leal. “Sinceramente, para mim, o que mais contou em tudo isso é o trabalho da diretora. Porque já sou a Rogéria que todo mundo conhece, 70 anos de vida e 50 de carreira. Tenho uma trajetória consolidada e por isso precisava de uma boa profissional, que fizesse uma coisa de verdade, e tenho certeza que a Leandra conseguiu”, elogia.
Apesar de tanto esforço e talento reunidos, não está sendo fácil concretizar Divinas divas. O tema não despertou o interesse de patrocinadores e foi então que Leandra Leal decidiu viabilizar o projeto por meio de financiamento coletivo na internet, pelo processo conhecido como crowdfunding (ou “vaquinha virtual”, como ela prefere chamar), no qual qualquer pessoa pode dar a sua contribuição em troca de uma série de benefícios. A diretora confessa ter ficado surpresa com tantas negativas e que o único parceiro que conseguiu foi o Canal Brasil, que é coprodutor do filme. “Fui atrás de várias pessoas, mas não tive sucesso. Infelizmente ainda existe um preconceito velado, que eu, ingenuamente, achava que não existia mais. O conteúdo do filme é muito interessante. Elas são artistas com uma trajetória vitoriosa e tão bonita, têm uma luta pela liberdade, pelos direitos civis e não se vitimizam em nenhum momento. Todas são sobreviventes e me chocou saber como a questão do gênero ainda é um tabu. As pessoas não conseguem ainda avaliar o valor artístico da coisa”, lamenta.
Rogéria é outra que se diz decepcionada com o que está acontecendo e acredita que, independentemente das escolhas sexuais, o importante é ter talento e vocação, e isso ela garante ter de sobra. “Se todas nós não fôssemos boas de serviço, não teríamos prosseguido. Estreamos num momento extremamente complicado, em plena ditadura, e conseguimos sobressair. Acho que o povo está mais burro. Um povo culto assimila mais as coisas e, antigamente, as pessoas tinham uma cabeça melhor. O que fazemos é arte e é isso que muitos não conseguem enxergar”, desabafa.
A colega Jane Di Castro também lastima a falta de apoio, mas tem esperanças de que a equipe do documentário vá conseguir alcançar a meta e concretizar a iniciativa. “Infelizmente a cultura GLBT no país é muito empobrecida, ninguém consegue fazer nada. É um sacrifício fazer cinema no Brasil, ainda mais sobre travestis e velhos. Liberam dinheiro para tantos projetos e o nosso, que tem histórias tão bacanas, tem que ficar mendigando. Sinto vergonha de ver isso em pleno 2013, mas espero que com esse financiamento pela internet apareçam pessoas que acreditam na cultura e tenham bom senso”, diz.
A meta é chegar a R$ 150 mil, quantia necessária para complementar os recursos das filmagens e captação de áudio dos ensaios e do show, aquisição de material de arquivo e direitos de imagem, edição do material e montagem do primeiro corte do filme. As cotas vão de R$ 20 a R$ 5 mil e dão direito a lugar garantido na fila do gargarejo do show, visita ao camarim e até um jantar com Leandra e as divas, além do nome exibido nos créditos do filme. Se a meta não for atingida até 9 de dezembro, todo o dinheiro será devolvido. O apoio pode ser dado por meio do site www.benfeitoria.com/divinas.