A proposta do CineBH, que começa nesta quinta-feira na capital mineira, é ambiciosa: apresentar a recente safra do cinema brasileiro para o mundo. Não é só isso. O evento quer ser também uma janela para que se possa avistar daqui o que vem de fora. Até dia 17, recentes produções internacionais serão exibidas na cidade em mostras que reunirão 29 longas, cinco médias e 35 curtas-metragens dos EUA à Polônia, passando por Costa Rica, México, Espanha, Argentina, Portugal, França, Holanda, Uruguai, Chile, Canadá, Bélgica. A programação, com entrada franca, abrirá espaço ainda para retrospectivas do francês Alain Guiraudie, do chileno José Luis Torres Leiva e para pré-estreias. 'O homem das multidões', de Cao Guimarães e Marcelo Gomes, será apresentado amanhã, às 20h30, no Cine Humberto Mauro.
Pelo sétimo ano consecutivo, a Mostra CineBH, que desta vez será realizada no Sesc Palladium e no Palácio das Artes – que também recebe o evento paralelo Brasil Cine Mundi –, está dividido em eixos temáticos. Além das retrospectivas, haverá sessões dedicadas à recente produção nacional, com destaque para o filme do mineiro Marcos Pimentel, 'Sopro'; para o de Joel Pizzini, um perfil de Ney Matogrosso e 'Olho Nu', o “Avanti Popolo”, primeiro longa de Michael Wahrman, vencedor de um prêmio no Festival de Roma ano passado e, recentemente, premiado no Festival de Brasília. O filme de Lina Chamie, Os amigos, premiado como melhor montagem em Gramado é outro destaque.
A programação internacional contemporânea apresentará títulos inéditos. 'Amor bandido', de Jeff Nichols, um dos destaques de Cannes no ano passado; Villegas, coprodução de Argentina, Holanda e França, do estreante Gonzalo Tobal, e 3, coprodução Uruguai/Argentina/Alemanha, mais novo filme do uruguaio Pablo Stoll. “Procuramos montar o panorama mais diversificado possível em termos de modelo de produção e linguagem”, avisa o curador Cássio Starling Carlos. A coordenadora da Mostra CineBH e do Brasil CineMundi, Raquel Hallak vai além: “O caráter do evento é universal.” Como exemplo da afirmação cita a vinda de realizadores importantes, como o chileno José Luís Torres Leiva. “Além de estar presente na mostra participará de uma master class na qual relatará o seu processo criativo”, adianta.
Um dos principais diferenciais do CineBH é a relação com o mercado. “Ao mesmo tempo é nosso maior desafio porque é um evento do mercado audiovisual num estado que ainda não tem indústria”, explica Hallak. O esforço não deve ser em vão. Para ela, a médio e longo prazos, as ações no entorno do festival pretendem criar uma indústria em BH. “Este ano são 16 profissionais de 12 países vindo para a capital mineira para conhecer nosso cinema independente e realizar negócios. Pretendemos ser um instrumento facilitador do mercado internacional”, salienta. Pedro Maciel, um dos curadores, concorda com a perspectiva proposta pelo evento. “A programação está pautada no diálogo entre cinema e o mercado. Buscamos trazer filmes que dialoguem com a proposta da mostra, como a questão da coprodução”, conclui.
A mostra tem sido uma oportunidade bem vinda pelos realizadores. Lina Chamie, diretora de 'Os amigos', que acabou de finalizar, considera a oportunidade de apresentar o longa, dia 14, às 21h, no Cine Humberto Mauro, “uma alegria”. “Fiz um filme ambientado em São Paulo mas que trata do espaço do sentimento, algo universal. É sempre uma satisfação ver as reações nas primeiras sessões.” O legal de participar é que, ao lado do público, ela própria vai descobrindo os efeitos do longa na plateia. “Cada lugar tem um pouco uma persona e as plateias percebem o filme diferente. Estou ansiosa para saber como será aí.” O período de exibição nos festivais é fundamental ainda para preparar a estratégia de lançamento comercial ano que vem. “Contei uma história. A Dira Paes, que participa, como amiga de Teo, um arquiteto paulista, interpretado por Marco Rica que perde um grande amigo, tem a melhor definição do longa: ele é um carinho.” E é com este espírito que a cineasta espera acolher os mineiros.
Homenagens
O diretor, roteirista e ator francês Alain Guiraudie, premiado este ano em Cannes, terá, além da recente produção, 'Um Estranho no Lago', exibida no CineBH, uma retrospectiva de curtas e longas. Guiraudie filma com orçamentos modestos, sem sair de sua região no sudoeste francês, onde nasceu, cresceu e vive até hoje, com atores não profissionais ou desconhecidos. O outro homenageado, o diretor, produtor, roteirista chileno José Luis Torres Leiva, também ganhará uma retrospectiva. Além do último longa, 'Ver e Escutar', mostrará outras produções que transitam com desenvoltura entre o cinema experimental – 'Nenhum lugar em nenhuma parte' –, e a ficção – 'O céu, a terra e a chuva'.
Para respirar e refletir
(Gracie Santos)
Primeiro foi o homem que isolou em sua caverna, a certa distância da civilização ('A alma do osso', de 2004). Depois veio o homem errante, que carregava tudo o que tinha sem dificuldade em sua jornada itinerante pelas estradas ('Andarilho'). Cao Guimarães, diretor mineiro dos dois filmes, encerra sua trilogia sobre a solidão em excelente companhia, a do pernambucano Marcelo Gomes ('Era uma vez Verônica'), com quem partilha sua nova experiência cinematográfica, 'O homem das multidões', livremente inspirado em conto homônimo de Edgar Allan Poe.
Se nos dois primeiros filmes a solidão era assumida por um ermitão que optou pelo distanciamento das pessoas e um homem que inviabilizava laços sem se fixar em determinado lugar, desta vez, a solidão é representada pela crônica “doença” das grandes cidades, alimentada por relações virtuais, pela corrida contra o tempo para garantir a sobrevivência e a dificuldade de relacionamentos, sejam afetivos ou sociais.
O filme transcorre como se Cao e Marcelo tivessem apontado suas lentes para duas pessoas nas ruas de Belo Horizonte ou melhor dizendo nas instalações do metro de BH, o maquinista Juvenal (o impecável Paulo André) e a controladora de fluxo dos trens Margô (Silvia Lourenço, em interpretação envolvente). Os diretores propõe uma espécie de “invasão” temporária da privacidade dos dois, quase que pelo buraco de fechadura. Em tempos de telas gigantescas, a opção pela redução da imagem tem o efeito de ampliar a intimidade.
Conheceremos um homem de poucas palavras e uma mulher que persegue senão uma troca afetiva, pelo menos alguém com quem possa conversar/relacionar-se. Gente simples, como a maioria dos escravos da rotina que engole sentimentos e afasta pessoas. Incrível o prazer de Juvenal em fazer parte da multidão ao mesmo tempo quem não se aproxima de ninguém. Não se engane, você não conhecerá o passado dos personagens, não saberá de fatos marcantes que possam tê-los tornado como são. Eles são assim, a vida é assim. Talvez você até desconfie de alguns dos desejos deles. Assim como desconfia dos seus...
Quem acompanha a obra dos diretores vai reconhecer ângulos e texturas das imagens poéticas assinadas por Cao. E diálogos espontâneos sempre presentes no trabalho de Marcelo. Característica dos dois diretores é o tom pausado, sem pressa, que obriga o espectador a respirar e a refletir. Resultado do casamento (feliz) da dupla é uma obra de poucas palavras, emoções contidas, desejos travados, que traz incômoda e necessária inquietação.
7ª CineBH – Mostra de Cinema de Belo Horizonte
De quinta ao dia 17, no Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, e no Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro. De quinta ao dia 15 haverá o evento paralelo Brasil Cine Mundi. Toda a programação tem entrada franca.
Programação
Quinta-feira
Cine Humberto Mauro
8h – Tainá – A origem, de Rosane Svartman
14h – Meu pé de laranja lima, de Marcos Bernstein
20h30 – Abertura oficial e pré-estreia de 'O homem das multidões', de Cao Guimarães e Marcelo Gomes
Sexta-feira
Cine Humberto Mauro
8h e 14h – Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolognesi
12h30 – Traços, de Fabiano Mixo; Au revoir, de Milena Times e O matador de ratos, de Arthur Lins
17h – Retrospectiva Alain Guiraudie
19h – 3, de Pablo Stoll Ward
21h – Avanti Popolo, de Michael Wahrmann
Sesc Palladium
8h – Meu pé de laranja lima
14h – Tainá- A origem
19h – Retrospectiva José Luis Torres Leiva com pré-estreia de Ver e escutar
21h – Fogo, de Yulene Olaizola
Teatro João Ceschiatti
10h30 e 15h30 – Brasil Cine Mundi – Debates