Completam-se em dezembro 110 anos de nascimento e 50 anos da morte de Yasujiro Ozu. O mais japonês dos diretores nasceu e morreu no mesmo dia - 5 de dezembro, tendo vivido entre 1903 e 63. Iniciou-se no cinema no final dos anos 1920 e foi muito ativo ainda no silencioso, adquirindo projeção na década seguinte, mas a carreira foi interrompida em 1937 e reiniciada somente após o fim da 2ª Guerra, quase dez anos mais tarde.
Há um revival de Ozu nesta data redonda de comemoração. O Festival de Berlim abriu os trabalhos em fevereiro, exibindo a versão restaurada de 'Tokyo Story/Era Uma Vez em Tóquio' e o remake assinado por Yoji Yamada, 'Tokyo Family'. Ambos os filmes foram comprados por uma nova distribuidora brasileira, a Esfera, de Marcelo Mendes e Ana Luiza Beraba, que vai lançá-los na Mostra de São Paulo, aproveitando que o evento exibirá os três clássicos de Ozu restaurados pela Shichiku e exibidos nos três maiores festivais - Berlim, Cannes e Veneza. Em maio, Cannes Classics apresentou 'O fosto do saquê'. E, no começo do mês, foi a vez de Veneza resgatar 'Flor de equinócio'. Em dezembro, o MIS, Museu da Imagem e do Som, vai realizar uma retrospectiva do grande diretor, em parceria com a Fundação Japão. E precedendo tudo isso, a Versátil lança a caixa 'O cinema de Ozu', com três discos, cinco filmes, todos entre os melhores que ele fez, e o documentário Conversando com Ozu.
As conversas com Ozu são conversas sobre Ozu. Entre os que prestam depoimentos estão cineastas tão diversos quanto Wim Wenders, Aki Kaurismaski, Hou Hsiao Hsien, Claire Denis, Stanley Kwan e a falecida Lindsay Anderson, todos unidos no culto a um dos autores mais exigentes que o cinema conheceu. Todos destacam a economia de Ozu, o seu minimalismo. O próprio Ozu tinha horror a filmes muito narrativos, com excesso de tramas e diálogos. Dizia que o aborreciam. Muito drama também o enfadava. Preferia a rotina e o silêncio e gostava de inscrever seus filmes na tradição de um gênero, o shimun-geki, drama ou comédia popular e intimista, que remonta aos anos 1920 e a seu mestre Yasujiro Shimaju. Esse pioneiro hoje esquecido foi também o mestre de outro intimista japonês, Mikio Naruse. Mas, se Naruse foi caracteristicamente um cineasta da mulher, Ozu o foi da família, na maioria das vezes deslocando o eixo para a figura paterna - e o pai de seus filmes foi o ator-fetiche Chisu Ryu.
Naruse flertava com o neorrealismo, o Ozu da segunda fase - após a interrupção da guerra, quando foi soldado - consolidou um estilo particular. Câmera baixa, levemente em contraplongé, relatos desprovidos de espetaculosidade, tudo muito simples e depurado. Os críticos dizem que sua especial posição de câmera sugere o ângulo de visão de um observador sentado na tradicional esteira de tatame. Essa simplicidade, na verdade, era resultado de uma extrema sofisticação. Os relatos familiares de Ozu são repletos de sabedoria oriental, levemente oníricos. Traduzem um humanismo não místico, preocupado mais com o homem do que com a existência do divino. Isso explica porque, ao morrer, Ozu deixou instruções para que em sua lápide houvesse apenas uma inscrição - o ideograma do chinês antigo correspondente a Mu, que significa ‘vazio’.
O CINEMA DE OZU - Box
Cinco filmes: ‘Era uma vez em Tóquio’/ ‘Também fomos felizes’/ ‘Era uma vez um pai’/ ‘Crepúsculo em Tóquio’/ ‘Filho único’
Versátil. R$ 69 (3 DVDs)