No corredor apertado, a câmera acompanha os passos desajeitados do senhor de calça jeans e blusa preta de gola alta. O mundo sabe que esse era o figurino preferido por Steve Jobs para apresentar seus feitos. Lá estava ele, em 2001, diante dos flashes. O discurso sobre estilo de vida na ponta da língua e, no bolso, o primeiro aparelho de uma leva que surgiria para transformar a rotina de muita gente. Era o iPod. “Quando você toca o coração de alguém, isso não tem limites”, pronunciou.
É com a frase carregada de significados que começa 'Jobs', a primeira cinebiografia do fundador da Apple, que morreu em outubro de 2011. O filme protagonizado por Ashton Kutcher estreia hoje nos cinemas brasileiros com vocação para dividir a plateia. Eis um personagem capaz de encantar e desencantar quase na mesma proporção.
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Mas 'Jobs', o longa dirigido por Joshua Michael Stern, não chega perto disso. Desde que o projeto foi anunciado, sabia-se que se tratava de filme sobre a juventude de Steve. A resistência em cursar uma faculdade, as aulas de caligrafia, o primeiro jogo desenvolvido para a Atari. Ainda que superficialmente, está tudo lá. As dificuldades de relacionamento também.
O grande dilema do roteiro escrito pelo estreante Matt Whiteley é que ele não define que caminho seguir. De um lado está posto o mito. Do outro, o sujeito de temperamento difícil e ética duvidosa. Ao mesmo tempo em que 'Jobs' repassa a história do homem que protagonizou mudanças tecnológicas significativas, escancara – inclusive com certo julgamento – o comportamento controverso de Steve Jobs.
Nada aparece romantizado na tela. Steve Jobs não tem insights brilhantes, aparece muito mais como um provocador do que realizador, sem falar das constantes grosserias e humilhações por que faz passar seus funcionários e parceiros. O filme apresenta um Steve Jobs mais marqueteiro, performático, do que gênio do Vale do Silício.
O mito endeusado, em 'Jobs', era vingativo, egoísta e dono de outras características que condizem mais com os vilões no cinema. A indefinição do longa também aparece nesse ponto. Ao mesmo tempo em que não alivia no retrato que produz do personagem, a cada conquista ele é apresentado com trilha sonora pomposa. É como se legendasse: “Olha como ele era sensacional”.
A escolha de Ashton Kutcher para viver o papel-título também gerou bafafá. O tipo físico do ator passa longe das características franzinas de Steve Jobs. Kutcher se apoiou no jeito de falar do biografado, com a boca mais fechada, e também recriando seus gestos e maneira de caminhar. Nesse ponto até exagerou, ficando próximo da caricatura. No elenco de apoio destacam-se Josh Gad, como Steve Wozniak, que era quem de fato colocava a mão na massa para realizar os projetos que Jobs vendia.
Applemaníacos na expectativa
Não há dúvidas de que o os applemaníacos estão ávidos por conhecer mais sobre a juventude do homem que mudou a história da tecnologia. “O Steve Jobs é um cara que modernizou nossa TI (tecnologia da informação). Um grande empreendedor que passou por todas as crises do mercado e hoje realiza sonhos. Se a gente fosse analisar a maluquice do Steve Jobs, há 20 anos ninguém imaginaria que poderíamos estar tão ativamente conectados”, avalia Leonardo Speziali, presidente-executivo da Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações em Minas Gerais (Sucesu).
O sujeito realizador de sonhos realmente aparece no filme, em cartaz em 11 salas de Belo Horizonte. A trama, no entanto, não gira em torno disso. 'Jobs' acompanha a trajetória de Steve desde a faculdade, passando pela criação do Apple I, II, a consolidação da empresa como projeto mais dedicado à personalidade de seu criador do que aos feitos tecnológicos propriamente ditos.
Mesmo assim, para Geovane, foi uma figura que não passaria despercebida em qualquer lugar que estivesse. Pela personalidade, pelos valores, pela forma de trabalhar e se relacionar. “Ácido demais, mas com uma percepção de criatividade e inovação. Só mesmo um cara fora do normal, muito fora da curva, faria o que ele fez”, continua Teles. A questão é que 'Jobs', o filme, não chega a desprezar o que ele fez, mas prioriza quem ele era. “Era um perfeccionista. Era endeusado, tinha uma aura. Parecia muito mais simpático do que era na verdade”, resume o consultor de tecnologia Erik de Britto.
A Rede Social
Sobre a criação e disputa em torno do Facebook. Bom roteiro de Aaron Sorkin e direção precisa de David Fincher valorizam a trama. A ganância costumeira no mundo da tecnologia é exposta sem julgamentos. O longa foi o indicado ao Oscar de melhor filme e foi ganhador nas categorias de roteiro, edição e trilha sonora.
Os Estagiários
Embora não seja exatamente sobre a criação do Google, a comédia brinca com o estilo de vida adotado na empresa, considerada uma das mais criativas e liberais do setor. Ainda em cartaz em BH, a trama tem como protagonistas dois quarentões que decidem se candidatar a uma vaga de estagiário na empresa.
Confira o trailer de 'Jobs':
Ao ressaltar o aspecto humano de um dos criadores da Apple, o filme de Joshua Michal Stern ofusca o brilho de Steve Jobs no campo profissional. A reação não demorou: vem nova cinebiografia por aí. Aaron Sorkin, o mesmo roteirista de 'A rede social', foi contratado pela Sony Pictures para escrever outro roteiro, desta vez baseado no livro de Walter Isaacson (lançado no Brasil pela Companhia das Letras). O biógrafo fez mais de 40 entrevistas com o fundador da Apple, além de ter conversado com familiares, amigos e competidores. Não há previsão de início da produção nem foi adiantado o nome do ator que vai estrelar o filme.