Após uma abertura festiva e repleta de glamour, o Festival de Cannes passou abruptamente nesta quinta-feira a cenas da corrupção e do narcotráfico no México, uma realidade ultraviolenta denunciada sem pudor em "Heli", de Amat Escalante, que disputa a Palma de Ouro. "Não serve para nada não mostrar a violência para que o público fique confortável e não sofra muito, enquanto a violência continua existindo na vida", afirmou Escalante, 34 anos, que exibe em Cannes seu terceiro longa-metragem, com direito a cenas explícitas de tortura.
'Heli', apelido do protagonista (Armando Espitia), mostra como uma família humilde de trabalhadores de uma oficina de automóveis da região de Guanajuato se vê arrastada na espiral de violência gerada pelo tráfico de drogas e a polícia corrupta. "É um filme dramático, extremo. Acredito que a realidade do México é ainda pior que o que eu mostro no filme", disse Escalante.
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"Quando alguém assiste a este filme é algo doloroso, deprimente e triste. Do ponto de vista moral, nossa responsabilidade consiste em mostrar a violência como ela é, triste e suja", disse o cineasta. Durante a exibição para a imprensa, alguns jornalistas deixaram a sala após as cenas mais extremas, mas de modo geral o filme de Escalante, apesar da discussão provocada sobre o grau de realidade que é válido mostrar na tela, teve uma recepção favorável em Cannes.
'Heli' é uma imersão em uma realidade sórdida mostrada sem enfeites ou sentimentalismos. E é justamente esta sobriedade narrativa que ajuda o filme. "Mostrar a violência pela violência não me interessa", explicou Escalante. "O que desejava era mostrar uma espécie de fio condutor que permita colocar esta violência em seu contexto, ver como este contexto exerce influência nos jovens".
Rodado em sistema digital, o filme tem um elenco praticamente amador. Escalante entrevistou quase 3 mil pessoas para o "casting" e levou os escolhidos para o cenário do longa-metragem antes das filmagens. Mais que um filme sobre a guerra do narcotráfico, "Heli" é uma obra sobre como muitos mexicanos sofrem como vítimas do crime.
No mundo de 'Heli' há pouco espaço para a esperança, apenas o sexo e os filhos são percebidos como uma fuga para um futuro incerto. "De alguma forma, o sexo é a última esperança", disse o jovem diretor.