Assim que os curadores do Festival de Cannes divulgaram a programação da edição de 2013, na quinta-feira, o mundo do cinema se debruçou sobre os filmes anunciados. Ou seriam os felizardos? Há 66 anos o ritual se repete. De novo, muito se fala sobre os nomes fortes no certame e especula-se sobre as potenciais descobertas. Há quem diga que estas estão em desvantagem, pelo menos na Mostra Oficial. Entre os 19 concorrentes, apenas cinco diretores nunca tiveram trabalhos exibidos nos telões do Palais du Festival. A seleção foi feita a partir de 1.859 inscritos.
Mesmo com rostos corriqueiros no tapete vermelho, Cannes dá sinais de que tem se transformado com o tempo, ainda que lentamente e sem se distanciar muito dos princípios fundadores. Na edição deste ano, a escolha de Steven Spielberg como presidente do júri oficial é uma das provas de que laços com Hollywood continuam bastante amistosos. Agora, se isso vai se traduzir no resultado, é uma das incógnitas a serem resolvidas em 26 de maio.
“O presidente do júri comanda a competição oficial, mas sua função é mais de vitrine simbólica do que efetiva”, ressalta o crítico e pesquisador Pedro Maciel Guimarães. Como ele lembra, as surpresinhas vindas de quem ocupa o posto são frequentes, vide o exemplo de Quentin Tarantino, que premiou o documentarista Michael Moore, que teoricamente não tem nada a ver com ele. “A escolha de Spielberg não quer dizer uma aproximação frontal do cinema americano de grande público, mas reforça, sim, a política de boa vizinhança e de admiração que o festival tem para com os autores americanos”, continua Pedro.
Como lembra o crítico e professor Eduardo Valente, desde que a chamada “política dos autores” surgiu na França, um dos objetivos era justamente identificar dentro da indústria americana diretores com assinaturas pessoais nas telas. “Ou seja, o cinema de autor nunca foi uma antítese de Hollywood, são mundos absolutamente imbricados e com trocas constantes”, reforça Valente.
Foram estes os casos de Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian De Palma e outros. Hoje, a lista tem os irmãos Coen, pela oitava vez na disputa pela Palma de Ouro, Steven Soderbergh e James Gray já na quarta tentativa. Ainda que não haja nada de novo nesse aspecto, a busca por tendências autorais se mantém presente no festival.
Na lista de 2013, o que já chamou a atenção foi a ausência de representantes do cinema latino-americano. Entre os escolhidos para o certame, as principais apostas vêm da Tunísia, com Abdellatif Kechiche; Irã, com Asghar Farhadi – diretor de A separação –; Holanda, com Alex van Warmerdam; e mesmo da França, com o estreante Arnaud des Pallières. A diretora franco-italiana Valeria Bruni-Tedeschi também promete dar o que falar. A irmã da ex-primeira-dama francesa Carla Bruni é a única mulher na disputa pela Palma de Ouro com o filme Un château en Italie.
Ousadia
"A mostra Um certo olhar, como sempre, acaba sendo mais instigante do que a oficial, pois ousa mais, apresenta mais surpresas e cineastas mais inventivos”, explica Pedro Maciel Guimarães. O Brasil, desta vez, ficou totalmente de fora, até mesmo da seleção de Um certo olhar, onde costuma aparecer com frequência. Este ano, serão 12 longas em competição, entre eles a nova incursão na direção do ator James Franco, com 'As I lay dying'.
“Cannes é hoje, sem qualquer dúvida, o maior evento de cinema do mundo, combinando o mercado e o festival. A relevância é maior do que nunca, para apontar caminhos, para destacar e revelar autores, para tornar determinados filmes conhecidos, notados e assistidos no mundo todo”, resume Eduardo Valente.
Rumo a Bollywood
Rumo a Bollywood
Se o flerte com Hollywood pode ser considerado de longa data, a aproximaçãocom Bollywood nem tanto. Como a Índia é o país homenageado deste ano, a poderosa indústria cinematográfica do país terá destaque na grade especial. Para Eduardo Valente, a escolha tem a ver com a preocupação francesa em não deixar de lado o aspecto cultural e cosmopolita da sua relação com o cinema. “Essa atenção constante a cinematografias como a brasileira ou a indiana demonstra isso com clareza”, ressalta, lembrando que no ano passado o Brasil foi homenageado.
Pedro Maciel Guimarães não percebe a homenagem dessa forma. “O cinema indiano não precisa de Cannes para se manter. A Índia é um dos poucos países que podem fazer concorrência no mercado interno com o cinema americano, assim como a França. Poucos filmes de Bollywood passaram no festival de Cannes e o público cinéfilo não gosta muito desse cinema. O festival cultua, sim, diretores indianos, mas que estão fora do esquema Bollywood”, afirma.