

“As histórias do presépio e do próprio Raimundo sempre me impressionaram e elas estão incrustadas na história de Belo Horizonte. A cidade merece conhecê-las. Apreciar aquelas 500 figuras produzidas por ele, retratando o momento da vida e da morte de Jesus Cristo, já encantam, imagine saber o que está por trás, toda a trajetória do seu criador e de como essa obra de arte surgiu”, comenta o diretor, produtor e roteirista Aluizio Salles Jr., da Fazenda Filmes.
É o primeiro longa-metragem da carreira de Salles, acostumado a curtas e comerciais. E foi justamente um desses trabalhos que o fizeram despertar para a criação de Raimundo Machado, que, desde 1976, está no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG (MHNJB), no Horto, Região Leste da cidade. Há 30 anos, ele dirigiu um comercial sobre o Pipiripau que foi bastante premiado e ajudou a projetar o bem cultural, na época em relativo ostracismo. “Fiquei com aquilo na cabeça, mas só em 2003 comecei a desenvolver o projeto. Em seguida, o roteiro foi contemplado no edital do Fundo Municipal de Cultura. Passei a fazer uma ampla pesquisa, que abrangeu toda a iconografia e documentos existentes no MHNJB, além do Museu Abílio Barreto e da colaboração de um historiador em Juiz de Fora. Assim como o presépio, esta produção também tem um quê de artesanal. Estou fazendo sem pressa, para que saia exatamente como quero e como ele merece ser retratado”, destaca.
'Pipiripau – O mundo de Raimundo' deve ter aproximadamente 75 minutos e começa com um passeio feito por uma grua eletrônica pelas 45 cenas do presépio. É como se o espectador entrasse dentro da obra e conferisse cada detalhe dos personagens produzidos por Raimundo Machado, como os carpinteiros, os ferreiros, os pescadores, os reis magos e a sagrada família, entre outros. Aluizio Salles Jr. alterna depoimentos do próprio artesão – colhidos em 1984, em entrevista realizada pela professora Vera Alice Cardoso, titular do Departamento de Ciência Política da UFMG – com falas da historiadora Thaïs Pimentel, de netos e filhos de Raimundo. “Dois terços do documentário têm a voz do artesão e vamos ilustrando com imagens históricas, que ainda vão ganhar animação do diretor de arte Leonardo Cata Preta. Quero brincar com esses documentos. O filme ainda tem um pouco de ficção, já que um ator-mirim, o Samuel Nascimento, interpreta o protagonista quando criança”, informa o cineasta.
Salles destaca que a gravação feita pela professora Vera Alice, com cinco horas de duração, é possivelmente um dos únicos registros de alguém que testemunhou pessoalmente os primórdios da cidade, pois Raimundo chegou a BH ainda criança, nos últimos anos do século 19. “Era um homem com memória prodigiosa e excelente contador de casos. Nosso personagem narra com detalhes saborosos não só a criação do presépio, mas também histórias muito interessantes do nascimento e do crescimento da própria capital. Ele participou, por exemplo, da construção do pirulito da Praça Sete”, ressalta.
Gênio Uma das cenas mais impressionantes do filme é a que revela os bastidores do Pipiripau, mostrando toda a parafernália de fios e objetos, como tomadas, latas e outras quinquilharias, que o fazem funcionar. “Raimundo era um gênio, um autodidata. Essa é a história de um verdadeiro Leonardo da Vinci negro, artista, artesão e inventor, que construiu com materiais de sucata e peças de ferro-velho uma obra artística e mecânica de viés popular, afinada com as mais modernas tecnologias disponíveis no começo do século 20”, analisa o diretor.
Com trilha sonora do compositor Mauro Rodrigues – que contou com a participação especial da Orquestra de Câmara do Sesiminas – e tendo como corroteirista o jornalista Paulo Vilara, 'Pipiripau – O mundo de Raimundo' deve ser lançado no fim do ano. Para Aluizio Salles Jr., é um momento mais do que apropriado para apresentar a história do presépio contada pelo seu próprio autor. “Até porque, com o Natal, o presépio sempre recebeu mais visitantes. Mas, infelizmente, pelo que tudo indica, ele ainda estará fechado. O que é uma pena. Mas espero que o filme possa resgatar a importância dessa obra de arte para a cidade e fazer um movimento cultural em torno dele”, propõe Aluizio.

Não há como dissociar Raimundo Machado e o Presépio do Pipiripau. Criador e criatura andam juntos. Raimundo é filho de um casal que veio a pé de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, para Belo Horizonte em busca de oportunidades. Raimundo nasceu em um ranchinho de sapé à beira da linha da estrada de ferro onde seu pai havia se empregado, em Matozinhos. A família mudou-se para a capital e logo se instalou na Colônia Américo Werneck, região que, hoje, compreende os bairros Horto, Sagrada Família, Floresta e Santa Tereza, e que era conhecida, no início do século, pelo nome de Pipiripau.
Apaixonado por presépios desde menino, Raimundo começou, em 1906, com apenas 12 anos, a montar o seu próprio, iniciado com um Menino Jesus que comprou por 400 réis. O artesão o colocou em uma caixinha de sapatos forrada de musgos e cabelos de milho. Nascia ali o que viria a se tornar o Presépio do Pipiripau, que, em 1976, foi transferido para a UFMG e protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
São 586 figuras móveis e 45 cenas distintas, entre religiosas (vida de Cristo) e profanas, dispostas sem a preocupação de sequência cronológica. Há cinco planos, nos quais as pinturas das paredes laterais e do fundo dão continuidade e unidade às cenas. As figuras estão dispostas em um cenário de quatro metros de largura, 3,2 metros de altura e quatro metros de profundidade.

Enquanto isso...
...em reformas
Quando o filme 'Pipiripau – O mundo de Raimundo' for lançado, no fim do ano, o presépio ainda estará fechado. Ele vai passar por um processo de restauração artística e arquitetônica que, inicialmente, tem previsão de término de dois anos. Segundo o coordenador da restauração e ex-diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, Fabrício Fernandino, não é um projeto fácil e envolve o Iphan nacional, o de Minas e o Ministério da Cultura. “Toda modificação teve que passar por esses órgãos. Essa etapa jurídica é lenta, mas essencial. Além do mais, não é uma obra fácil, porque o presépio é delicado, exige cuidados minuciosos”, explica Fabrício. Será construída uma caixa metálica para proteger o presépio e, para abrigá-lo, um novo edifício com normas de segurança e acessibilidade. “Será uma espécie de redoma, que vai proteger o presépio enquanto construímos a nova sede”, completa Fernandino.
Assista ao trailer do filme: