O cineasta Philipe Ratton não conheceu sua tia. Mesmo assim, desde criança presenciou a tristeza da avó com a situação, assim como da mãe, do pai e dos demais parentes. A história que deixou tantas marcas sempre o inquietou, até que decidiu contá-la.
“A história é fascinante e precisava ser contada”, diz Philipe, que é autor da ideia bem antes de os filmes sobre o período militar ganharem as salas de cinema. A intenção é ambientar a trama com as passagens ligadas à repressão, mas ir além disso. “Minha questão não é política. Não colocarei isso em primeiro plano. A tentativa é realizar um filme onírico, claro, entrecortado pelas situações de violência que são parte da vida dela”, adianta ele, que se baseou num texto escrito pela própria tia, batizado por ela de “Perdão meu capitão, eu sou gente”.
Nele, a estudante narra as marcas deixadas pela tortura em sua alma e as inquietações que a perseguiriam dali em diante. “São fantasmas que sempre estiveram presentes na família pelo sofrimento de minha mãe e avô.
Destino cruzado
O cineasta Helvécio Ratton, tio de Philipe, sabe o que significa a repressão. Como Dorinha, ele integrava o mesmo grupo de esquerda, o Comando de Libertação Nacional (Colina), que depois se transformou na Vanguarda Armada Revolucionário Palmares (VAR Palmares). “Além de militarmos juntos, ela ainda era minha concunhada. Cruzávamos muito. Quando tivemos que sair de Minas, nos reencontramos no Rio de Janeiro várias vezes, já como clandestinos”, lembra o cineasta.
Pouco depois que a estudante foi presa Ratton conseguiu sair do país, tendo se refugiado no Chile. Seis meses depois, quando Dorinha se tornou um dos 70 presos políticos trocados e libertados depois do sequestro do embaixador suíço, ela se refugiou também no Chile. “Recebi-a lá.
A história de repressão da estudante guarda semelhanças com a situação que inspirou Helvécio Ratton a realizar, em 2006, o filme Batismo de sangue. “Vejo bastante semelhança entre a história de Tito, personagem principal de meu filme, com a dela. Assim como Dodora, ele foi trocado e libertado quando ocorreu o sequestro do mesmo embaixador. Chegou junto com ela ao Chile. São tramas paralelas. Como ela, se sentiu tão atordoado pela situação até decidir acabar com a própria vida. Ele na França e ela em Berlim.
Registro necessário
Orçado em R$ 500 mil, o filme Perdão meu capitão, mas eu sou gente deverá ter locações, além do Brasil, no Chile e na Alemanha. A expectativa do diretor é, com a nova determinação de conteúdos na TV paga, finalmente conquistar a verba necessária. Sua família vê com expectativa a possibilidade de ter a trajetória da estudante recontada.
“Foi uma das pessoas mais inteligentes e bonitas que conheci. Infelizmente, não fez tratamento para processar o trauma e entrou numa depressão grande. Fomos visitá-la em fevereiro, a deixamos internada em Berlim e ela foi melhorando. Em 1º de junho recebemos um telefonema com a notícia de que havia se matado. Morreu com 33 anos”, lembra Luiz Fernando Ratton, pai de Philipe.
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