
O mesmo vale para 'Django livre'. Jamie Foxx está bem como personagem-título, mas o dentista dr. King Schultz de Christoph Waltz tem interpretação primorosa. Seu personagem não é mero coadjuvante. Idêntica analogia pode ser feita em 'O mestre'. O personagem-título, brilhantemente construído por Philip Seymour Hoffman, concorre a coadjuvante, enquanto Joaquin Phoenix é candidato (de peso) a ator principal. Fórmula complicada essa de rotular atuações, afinal são muitos os critérios em jogo. Satisfeitos ou não com os escolhidos, é inegável considerar que este é um Oscar de atuações brilhantes e de interpretações destacadas. Até mesmo num filme “menor” (O lado bom da vida não é exatamente obra-prima), personagens principais e coadjuvantes têm grandes momentos em cena. Nesse caso – como em outros –, trabalho visivelmente esculpido pela direção firme de David O. Russell.
A GALOPE
As bolsas de apostas de ator principal atribuem larga vantagem a Daniel Day-Lewis ('Lincoln') trabalho difícil, às vezes encoberto por excesso de maquiagem e de rugas, mas ele se apoiou no que o bom profissional sabe: intensificou o brilho nos olhos e dosou fala e movimentação em cena. Se a vitória de Lewis é tida como barbada, bem próximo dele, com um nariz de diferença, surge a galope o atormentado ex-soldado de Joaquin Phoenix, na melhor atuação de sua carreira, em 'O mestre'. Nem mesmo os que execram musicais podem deixar de ressaltar o talento com que Hugh Jackman encena o Jean Valjean de Os miseráveis. Diálogos densos cantados com perfeição em trabalho visivelmente desgastante ao qual o ator se entregou vigorosamente. A Bradley Cooper, que está muito bem em 'O lado bom da vida', cabe celebrar a indicação, em si um prêmio. Com chances de roubar a estatueta dos favoritos, surge aquele que pode ser o grande azarão da noite: Denzel Washington se saiu bem como piloto herói que tem sérios problemas para resolver em 'O voo'. Quem sabe ele não voa mais alto do que se espera?


SALVE A AMÉRICA
Enquanto as bolsas apostam cegamente em 'Argo' como o melhor filme do ano, 'Lincoln' não deixa de ter chances concretas de arrebatar a estatueta. Um filme que concorre em 12 categorias não pode ter seus méritos desconsiderados. E, afinal, Affleck não está com essa bola toda em Hollywood (não foi indicado a diretor nem ator pelo filme). Mas tanto 'Argo' quanto 'Lincoln' são filmes, digamos, de alma americana. Obras sobre grandes feitos da América salvadora, que conservam o país no posto de “a pátria do mundo”. O mesmo vale para 'A hora mais escura', de Kathryn Bigelow, que relata momento único de vingança dos americanos depois de seu 11 de setembro negro. O problema do filme é que a CIA parece não ter gostado da riqueza de detalhes com que a moça expôs a caça a Osama bin Laden. Afinal, o que é ficção e o que realidade no incrível relato de Bigelow?
Voltando à vingança, o mais “sanguinário” dos diretores, Quentin Tarantino, diz que fez seu filme sobre vingança, pois, na opinião dele, todo mundo ama se vingar. No caso de 'Django livre', os negros se vingam, com a ajuda de Jamie Foxx, de toda uma vida de discriminação social no EUA (batalha ainda não vencida, apesar do presidente negro Obama). Mas a vitória de 'Django livre' estaria certamente na lista dos azarões da noite, que tem ainda 'O lado bom da vida', 'Os miseráveis' (musicais não costumam vencer Oscars nos tempos atuais) e 'Indomável sonhadora' (no caso do representante do cinema independente, só a indicação já é considerada prêmio). Tudo bem que número de indicações não é necessariamente parâmetro para saber quem ganha a estatueta de melhor filme, mas 'As aventuras de Pi', indicado em 11 categorias, tem assinatura que nunca deve ser posta de lado, a de Ang Lee, artífice da cena e do pensamento zen. O cara merece respeito e não deve ser esquecido. Num ano de obras de estéticas e temas múltiplos, a grande surpresa é sem dúvida o austríaco Michael Haneke. 'Amor', que entra no páreo com chance dupla, pode (e deveria) ser escolhido o melhor filme do ano ou, no mínimo, o melhor filme em língua estrangeira.