Cinema

Brasileiro integra equipe de filme que disputa o 'Oscar' do cinema independente

Maurício Zacharias trabalhou em 'Deixe a luz acesa', indicado a quatro Spirit Awards

Walter Sebastião

Autor do roteiro do elogiado Madame Satã, carioca vai disputar o Oscar dos alternativos nos EUA
O brasileiro Maurício Zacharias integra a equipe de um longa indicado a quatro categorias do Spirit Awards, o Oscar dos filmes independentes, que será entregue no sábado, 23, em Los Angeles (EUA). 'Deixe a luz acesa' disputará os troféus de melhor filme, diretor, ator e roteiro (escrito por Maurício em parceria com o cineasta Ira Sachs, que dirigiu a produção).


Carioca de 50 anos, Maurício trocou a carreira de economista pela de escritor. Fez mestrado em cinema e TV em Los Angeles. Desde 1995, trabalha em Nova York. É o roteirista dos elogiados 'O céu de Suely' e 'Madame Satã', longas brasileiros dirigidos por Karim Aïnouz. Zacharias disputará o Spirit Awards com nomes ilustres como Wes Anderson e Roman Coppola, autores do roteiro de 'Moonrise kingdom', que concorrerá também ao Oscar “oficial”.

“Ser indicado às quatro categorias principais do Spirit Awards foi uma surpresa total. Achava que o protagonista, o dinamarquês Thure Lindhardt, tinha boas chances, pois ele foi indicado ao Gotham Awards. Entretanto, não esperava mais que isso. Quando me deram a notícia, demorou para cair a ficha. O interessante de receber indicação ao Spirit é que não apenas os independentes festejam. De repente, setores mais estabelecidos do cinema começam a prestar atenção em você. Esse é o prêmio independente mais comercial do país”, brinca Maurício Zacharias.

A exibição de 'Deixe a luz acesa' em BH deve ocorrer até março. Trata-se de um filme sobre amor e compulsão sexual entre dois homens, inspirado na experiência do cineasta Ira Sachs. “Mais que ajudar, ter os diários de Ira como base para o roteiro foi a faísca que trouxe luz para esse projeto. Quando tomamos a decisão de contar uma história tão pessoal, decidimos manter a perspectiva do leitor de diários. O tempo passou a ser personagem intrínseco da história, a estrutura estava formada. Baseado nisso, escrevi um longo primeiro tratamento. A partir daí, eu e Ira fomos editando até chegar à versão final”, conta o roteirista.

O ponto forte do longa é a construção narrativa. “A história é contada em elipses: são quase 10 anos de um relacionamento concentrado em menos de duas horas. A plateia entende e se emociona”, explica Maurício. Ele e Ira Sachs já têm novo projeto, chamado 'Love is strange'. “É a história do relacionamento de dois homens na casa dos 70 anos, que estão juntos há 35. Já temos os atores: Alfred Molina e Michael Gambon”, adianta.

Maurício escreveu o roteiro de 'Trinta', longa dirigido por Paulo Machline e em fase de edição, sobre o carnavalesco Joãosinho Trinta. O filme mostra a transformação do jovem candidato a bailarino em carnavalesco. “Também estou ‘reservado’ para outro filme biográfico com a produtora Paula Lavigne”, revela ele.

Zacharias se mudou para Los Angeles em 1990 e fez mestrado na University of Southern California (USC). No Brasil, ele trabalhou na série 'A vida como ela é', da Conspiração Filmes, e com os irmãos João e Walter Salles. Nos EUA, ajudou a adaptar a peça 'Death and the maiden' para o cinema, sob direção de Roman Polanski.

Quando escreveu 'Madame Satã' e 'O céu de Suely', o roteirista já morava em Nova York. “Ira Sachs viu esses filmes e me convidou para trabalhar com ele. Não penso em dirigir. Mas, quem sabe, um dia isso pode mudar”, conclui Maurício Zacharias.

Três perguntas para...

MAURÍCIO ZACHARIAS
Roteirista

Por onde deve começar a pessoa que pretende ser roteirista?
Meu conselho é: vejam muitos filmes. Os clássicos, cinema mudo, cinema sueco, vanguarda italiana, nouvelle vague, Glauber Rocha, John Ford, Spielberg – tudo!. O mais divertido é desenvolver e criar uma estrutura para a história a ser contada. O mais trabalhoso é escrever as cenas.

Você fica chateado por terem alterado ou retirado algo de seus roteiros?
Quem escreve roteiro sabe: o diretor terá que traduzir aquelas palavras em imagens. Não é tarefa simples... Sempre se muda alguma coisa. Depois, ainda tem a edição e cenas inteiras são jogadas fora. Antigamente, eu me sentia traído. Hoje em dia já me acostumei. É a natureza do trabalho.

Diz-se que o cinema experimenta crise de criação em relação a novas histórias. Você concorda?
Milhares de histórias aparecem a cada dia, em cada esquina. Essa crise existe apenas em alguns setores, como os grandes estúdios que insistem em repetir fórmulas, porque têm receio de arriscar. Até entendo a insegurança dos executivos. Afinal, eles trabalham para corporações gigantescas, têm de prestar contas a acionistas. O risco financeiro de uma história diferente e ousada não faz parte desse jogo. Mas há os independentes, que sempre vão levantar um mundo para fazer o seu filme. Certas histórias simplesmente precisam ser contadas.