Os principais estúdios de cinema e as televisões pagas no Brasil, com o aumento do consumo cultural da classe C, têm investido pesado em dublagens. De uma hora para outra, os diálogos originais de filmes e seriados internacionais foram sendo substituídos, na maioria das vezes a toque de caixa, por vozes de artistas anônimos, nem sempre de maneira convincente. Nem todos gostaram. Para os mais exigentes, a tendência não conseguiu substituir o prazer de se assistir a uma produção na língua de origem. Também não diminuiu a importância de uma boa legenda como meio de conduzir, quando as luzes se apagam, os espectadores aos mais distantes mundos e histórias.
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Enquanto 'Lincoln' é baseado nos densos diálogos adaptados do livro 'Team of rivals: The genius of Abraham Lincoln', de Doris Kearns Doodwin (uma versão brasileira, da Editora Record, recém-lançada no Brasil, traz o resumo do original), o filme 'Django livre' aposta em gírias e coloquialismos típicos do Sul dos Estados Unidos da época. Resumir toda a atmosfera em poucas palavras é a tarefa que tira o sono de qualquer profissional da área.
O primeiro passo para uma boa tradução é conseguir o script do filme, seriado ou novela, com a transcrição literal dos diálogos nas línguas de origem. De posse do material e das imagens, o tradutor assiste às produções. Sua missão é resumir cada diálogo em duas linhas, ou seja, não mais que 60 caracteres. “A legenda tem que caber no tempo de leitura, senão as pessoas piscam e não conseguem entender a cena”, explica a carioca Daniela Soares, que há 20 anos se dedica à profissão. A situação fica ainda mais complicada quando as falas dos personagens são rápidas. “Enquanto o desafio do bom dublador é sincronizar sua fala com a do ator, no caso das legendas o mais difícil é conseguir chegar à concisão dos textos”, explica.
O curto espaço de tempo para executar o trabalho e as diferenças culturais entre os idiomas dificultam ainda mais a tarefa. “O inglês é mais sintético. Já no português, usamos mais palavras para falar a mesma coisa. Aí temos que realizar adaptações. Às vezes, é necessário esquecer o texto original e seguir pelo sentido das cenas.” O mesmo ocorre com as diferenças culturais nas falas de povos ou em relação às expressões ou piadas que só têm sentido onde surgiram.
Foi usando adaptações que Daniela conseguiu concluir a tradução de filmes como 'De olhos bem fechados', de Stanley Kubrick, e do japonês 'Sonhos', de Akira Kurosawa. “Peguei o script já traduzido para o inglês e tive que fazer as legendas em português. O que os brasileiros viram no cinema foi a segunda versão do original. Os diálogos eram complexos e, como não falo japonês, mesmo com todo o cuidado não há como não ter perdas”, reconhece.
Cultura geral
As dificuldades no processo de tradução e legendagem se intensificam quando a tarefa cabe a um profissional iniciante e pouco preparado. O resultado, segundo os tradutores que estão há anos no mercado, empobrece os diálogos e prejudica a eficiência da narrativa. “O segredo da tradução, em primeiro lugar, é o profissional ter boa cultura geral. Em seguida, é ter boa compreensão do idioma e contar com consultorias, muitas delas informais”, enumera Patrícia Peixoto, outra tradutora experiente que, há 20 anos, atua na área.
Patrícia fala quatro idiomas: português, espanhol, francês e inglês. Sua especialidade é o inglês, por ter vivido alguns anos na Inglaterra. A experiência a credenciou a cuidar de inúmeras versões nacionais de produções famosas, como o recente 'Argo', dirigido por Ben Affleck, concorrente ao Oscar de melhor filme. “Minha especialidade é o inglês britânico e produções de época. Quando tenho que realizar uma versão de produções atuais, meus sobrinhos entram com uma consultoria informal. As línguas são vivas e as séries e filmes seguem a mesma lógica. O que faço é tentar evitar ao máximo termos coloquiais que estragam a língua. Gosto de realizar a concordância certa, usando as regras gramaticais. Mas nem sempre é possível. O que tento sempre é fazer um português bonito”, afirma.