Cinema

Legendar filmes com diálogos complexos é desafio para profissionais especializados

Espaço curto na tela e roteiros que abusam de propriedades das línguas originais são obstáculos

Sérgio Rodrigo Reis

Diálogos herméticos em 'Lincoln' foram desafio para equipe de legendas
Diálogos herméticos em 'Lincoln' foram desafio para equipe de legendas
Os principais estúdios de cinema e as televisões pagas no Brasil, com o aumento do consumo cultural da classe C, têm investido pesado em dublagens. De uma hora para outra, os diálogos originais de filmes e seriados internacionais foram sendo substituídos, na maioria das vezes a toque de caixa, por vozes de artistas anônimos, nem sempre de maneira convincente. Nem todos gostaram. Para os mais exigentes, a tendência não conseguiu substituir o prazer de se assistir a uma produção na língua de origem. Também não diminuiu a importância de uma boa legenda como meio de conduzir, quando as luzes se apagam, os espectadores aos mais distantes mundos e histórias.


A boa tradução exige técnica, experiência e sensibilidade. A exigência aumenta quando se trata de filmes mais herméticos ou com diálogos complexos, como os atuais concorrentes ao Oscar 'Lincoln', de Steven Spielberg, e 'Django livre', de Quentin Tarantino. Com histórias narradas no fim do século 19, período que antecede o fim da escravidão nos Estados Unidos, as produções são essencialmente calcadas em interpretações e no embate de ideias.

 

Enquanto 'Lincoln' é baseado nos densos diálogos adaptados do livro 'Team of rivals: The genius of Abraham Lincoln', de Doris Kearns Doodwin (uma versão brasileira, da Editora Record, recém-lançada no Brasil, traz o resumo do original), o filme 'Django livre' aposta em gírias e coloquialismos típicos do Sul dos Estados Unidos da época. Resumir toda a atmosfera em poucas palavras é a tarefa que tira o sono de qualquer profissional da área.

O primeiro passo para uma boa tradução é conseguir o script do filme, seriado ou novela, com a transcrição literal dos diálogos nas línguas de origem. De posse do material e das imagens, o tradutor assiste às produções. Sua missão é resumir cada diálogo em duas linhas, ou seja, não mais que 60 caracteres. “A legenda tem que caber no tempo de leitura, senão as pessoas piscam e não conseguem entender a cena”, explica a carioca Daniela Soares, que há 20 anos se dedica à profissão. A situação fica ainda mais complicada quando as falas dos personagens são rápidas. “Enquanto o desafio do bom dublador é sincronizar sua fala com a do ator, no caso das legendas o mais difícil é conseguir chegar à concisão dos textos”, explica.

 

'De olhos bem fechados': tradução foi resultado de adaptações feitas com base no script
'De olhos bem fechados': tradução foi resultado de adaptações feitas com base no script
O curto espaço de tempo para executar o trabalho e as diferenças culturais entre os idiomas dificultam ainda mais a tarefa. “O inglês é mais sintético. Já no português, usamos mais palavras para falar a mesma coisa. Aí temos que realizar adaptações. Às vezes, é necessário esquecer o texto original e seguir pelo sentido das cenas.” O mesmo ocorre com as diferenças culturais nas falas de povos ou em relação às expressões ou piadas que só têm sentido onde surgiram.

 

Foi usando adaptações que Daniela conseguiu concluir a tradução de filmes como 'De olhos bem fechados', de Stanley Kubrick, e do japonês 'Sonhos', de Akira Kurosawa. “Peguei o script já traduzido para o inglês e tive que fazer as legendas em português. O que os brasileiros viram no cinema foi a segunda versão do original. Os diálogos eram complexos e, como não falo japonês, mesmo com todo o cuidado não há como não ter perdas”, reconhece.

Cultura geral

As dificuldades no processo de tradução e legendagem se intensificam quando a tarefa cabe a um profissional iniciante e pouco preparado. O resultado, segundo os tradutores que estão há anos no mercado, empobrece os diálogos e prejudica a eficiência da narrativa. “O segredo da tradução, em primeiro lugar, é o profissional ter boa cultura geral. Em seguida, é ter boa compreensão do idioma e contar com consultorias, muitas delas informais”, enumera Patrícia Peixoto, outra tradutora experiente que, há 20 anos, atua na área.

Patrícia Peixoto trabalhou na tradução de 'Argo': cuidado com o "português bonito"
Patrícia fala quatro idiomas: português, espanhol, francês e inglês. Sua especialidade é o inglês, por ter vivido alguns anos na Inglaterra. A experiência a credenciou a cuidar de inúmeras versões nacionais de produções famosas, como o recente 'Argo', dirigido por Ben Affleck, concorrente ao Oscar de melhor filme. “Minha especialidade é o inglês britânico e produções de época. Quando tenho que realizar uma versão de produções atuais, meus sobrinhos entram com uma consultoria informal. As línguas são vivas e as séries e filmes seguem a mesma lógica. O que faço é tentar evitar ao máximo termos coloquiais que estragam a língua. Gosto de realizar a concordância certa, usando as regras gramaticais. Mas nem sempre é possível. O que tento sempre é fazer um português bonito”, afirma.