2010 já entrou para a história do cinema brasileiro. E não só José Padilha, diretor de Tropa de elite 2 – o filme nacional mais assistido no país –, tem motivos para soltar foguete. A cineasta Laís Bodanzky também comemora a performance de seu longa As melhores coisas do mundo, voltado para as dores e delícias de ser adolescente, cuja bilheteria chegou a 310 mil pagantes. Pode parecer uma gota no oceano de 11 milhões de espectadores de Tropa, mas o xis da questão está justamente aí: médias produções nacionais vêm conquistando bravamente o seu espaço.
A cineasta acredita que o fenômeno Tropa de elite transcende – e muito – a arrecadação e o posto de arrasa-quarteirão nacional. O longa de José Padilha cumpre com sucesso o papel de formador de plateia, observa Laís. Ela chegou a duvidar que Tropa 2, mais sofisticado, pudesse superar a performance do primeiro, mas ficou feliz ao constatar que o filme bateu 11 milhões de espectadores.
“O público gostou justamente porque o segundo é mais complexo. Tropa de elite 2 deixou claro como se educa a plateia. Teve impacto porque optou pela continuidade, além de representar um divisor de águas: atraiu multidões embora não seja light, comédia e nem tenha conteúdo novelesco, televisivo”, analisa Laís. Coube ao filme o mérito de amplificar o desabafo do cidadão, sobretudo em relação a policiais e políticos corruptos.
O efeito Tropa vai reverberar, prevê Laís Bodanzky, ressaltando o mérito de José Padilha, do roteirista Bráulio Mantovani, do elenco e de toda a equipe em captar o inconsciente coletivo brasileiro. “Cinema não tem fórmula. É caixinha de surpresas que nem futebol”, garante.
Nem parece...
Volta e meia Laís ouve este “elogio” a seu trabalho: “Puxa, é tão bom que nem parece filme brasileiro”. Para a cineasta, a obra de José Padilha veio chacoalhar esse estigma, o que é muito estimulante para outras equipes. A diretora ressalta: a saga do capitão Nascimento provou que se pode cativar o público abrindo mão de temas e linguagem da TV.
Laís afirma que fitas “televisivas” têm o seu espaço, assim como as comédias, que tanto atraem o público. Mas descarta enfaticamente a tese de que o cinema brasileiro se tornou refém da telinha. Aliás, chama a atenção para o contrário: longas têm influenciado a linguagem da TV – Cidade de Deus e Tropa de elite, entre eles.
A dupla Laís Bodanzky-Luiz Bolognesi vem contribuindo para consolidar essa diversidade. Bicho de sete cabeças e Chega de saudade estão aí para provar. Aclamado pela crítica, o “caçula” As melhores coisas do mundo busca outra “matéria-prima”: o adolescente, tratado de forma sensível, inteligente e saudavelmente desprovida de clichês. Trata-se de uma fita que vai de encontro à chamada fórmula Malhação. Foi um dos melhores longas-metragens do ano.
Encomendado pela produtora Gullane Filmes, o longa é focado na garotada, mas encanta os adultos. Estrelado por Francisco Miguez, Fiuk, Denise Fraga e Zé Carlos Machado – elenco afinadíssimo –, fala de sexo, escola, bullyng, preconceito, amor, rejeição e, sobretudo, dos desafios da família contemporânea.
“Gostei desse filme. Assisti com minha filha e conversamos tanto... Ainda tem coisas boas nesse mundo” . O recado de @claudia para Laís Bodanzky, no Twitter, é uma prova do acerto. A diretora, aliás, tem recebido muitas mensagens como essa. Graças à assessoria de Pacheco – adolescente na época do início do projeto, hoje rapaz de 20 anos –, ela passou a usar as novas ferramentas.
E-mails, Twitter e Facebook permitiram a Laís acompanhar discussões sobre o filme (mesmo sem se identificar), participar de debates, receber e aceitar convites para encontros em escolas. Laís compara sua relação com os twitteiros à interação do ator de teatro com a plateia, ao vivo.
Mulheres
A partir de janeiro, as mulheres vão mandar no país. A presidente eleita Dilma Rousseff acaba de escolher Ana de Hollanda como ministra da Cultura. A diretora de Bicho de sete cabeças considera imprescindível o aperfeiçoamento de projetos implementados pela pasta nas gestões de Gilberto Gil e de Juca Ferreira. Elogia essa dupla por “olhar para o Brasil como um todo”, inclusive abrindo espaço para novas expressões, democratizando o processo que envolve o audiovisual.
Laís ressalta: na área de audiovisual foram contemplados artistas de regiões além do triângulo Rio-São Paulo-Porto Alegre, polos cinematográficos consolidados. Cinema é atividade cara, por isso se torna necessário estimular quem está fora do eixo.
Pontos de cultura e o apoio à interação da arte com novas mídias, caso do cinema feito por celular, são iniciativas importantes, lembra Laís. Na opinião dela, o novo governo deve redobrar a vigilância para não cometer o erro de pôr abaixo o que está benfeito. “É importante não fechar o que já existe, mas abrir novas portas”, aconselha, ressaltando que autocrítica e reorientações são necessárias, desde que pautadas pelo bom senso.
Na verdade, o trauma tem nome: Fernando Collor de Melo. Nos anos 1990, ao fechar a Embrafilme em prol da desestatização, o alagoano praticamente destruiu o cinema nacional. Só agora, em 2010, um filme brasileiro conseguiu superar a bilheteria de Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto, lançado em 1976.
Para Laís Bodanzky, bom caminho a ser seguido por Dilma e Ana é sacramentar a parceria cultura-educação. “Não adianta o Brasil ser economia forte sem um cidadão com olhar crítico para o mundo”, adverte ela. “Arte educa para a complexidade, ensina a aprender a ouvir, a conhecer outros pontos de vista. Isso é fundamental”, conclui.