Um Jesus nascido na favela, homenagens a indígenas, artistas negros e às religiões de matriz africana: as escolas de samba do Rio se apresentam durante duas noites a partir deste domingo com seu brilho habitual e uma dose extra de crítica em seus desfiles.
Com muita purpurina, carros alegóricos, milhares de integrantes e uma poderosa bateria, 13 escolas terão entre 60 a 70 minutos para encantar os jurados e ao público no Sambódromo, na Marquês de Sapucaí.
Não é de hoje que a situação política e social está presente no carnaval, mas o tom de protesto tende a se acentuar em momentos de radicalização política, como no atual governo de Jair Bolsonaro.
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"Numa época em que se prega tanto um Jesus bélico, intolerante e controlador, a Mangueira leva para a avenida o Jesus do Evangelho: amoroso, amigo, parceiro dos oprimidos", escreveu recentemente o teólogo e pastor batista Henrique Vieira, que assessorou a escola com o estudo da Bíblia para criar o desfile.
Outra escola, a Acadêmicos da Grande Rio, também escolheu o tema religioso. Contará a vida de um líder histórico do candomblé, Joãozinho da Gomeia. O babalorixá, falecido em 1971, ajudou a popularizar o candomblé em outras camadas da sociedade, tornando-se símbolo da tolerância religiosa.
Sem recursos públicos
Será a primeira vez que as escolas desfilam sem o financiamento da prefeitura.
Desde que assumiu o cargo, em 2016, o bispo evangélico Marcelo Crivella deixou claro que não simpatizava com o carnaval e promoveu um corte progressivo do financiamento público a esses grupos, que passaram a receber cada uma R$ 2 milhões em 2017 e, neste ano, não contar com apoio oficial.
Isso as obrigou a se reinventar, trazendo diretores criativos mais jovens, que estão fazendo "carnaval que é arte, que é festa, mas que também é um carnaval político, um carnaval engajado", aponta o historiador e autor de vários livros sobre o carnaval Luiz Antonio Simas.
O sambódromo receberá quase 70.000 espectadores a cada noite.
Indígenas, artistas negros e crítica a políticos
A Portela desfilará na avenida com uma homenagem aos indígenas tupinambá, que viviam na região do Rio antes da colonização portuguesa.
"Nossa aldeia é sem partido ou facção, não tem bispo, nem se curva a capitão", canta a escola, em versos que podem ser interpretados como um recado a Bolsonaro.
Outros grupos se referiram mais diretamente à classe política. A União da Ilha questionará as promessas não cumpridas em matéria de saúde, emprego, educação e moradia, enquanto a São Clemente, que abrirá a noite de segunda-feira no Sambódromo, levará as "Fake News", episódios da campanha eleitoral e o primeiro ano do governo Bolsonaro.
A Mocidade Independente de Padre Miguel fará uma homenagem a Elza Soares, que sobreviveu ao racismo, pobreza e a violência de gênero até construir uma carreira de sucesso. Aos 89 anos continua sendo um símbolo da luta feminista.
O Salgueiro contará a história de Benjamin de Oliveira, ator e acrobata negro que revolucionou a cena circense em meados do século XX.
Fora dos enredos com tom político, a Unidos da Tijuca celebrará as belezas naturais e arquitetônicas da Cidade Maravilhosa, eleita capital mundial da arquitetura pela Unesco. A Beija-Flor abordará os caminhos e as peregrinações da humanidade.