Músicos que fazem do carnaval de Belo Horizonte um dos maiores do país abraçam a pluralidade. Os “funcionários da folia” não se prendem a preferências por regiões da cidade ou estilos, atuando em baterias de blocos com variados repertórios. Para eles, não se trata apenas de curtição, mas de muito trabalho.
Baiano de Eunápolis, Jhonatan Melo chegou à capital mineira para estudar arquitetura, há cerca de 10 anos. Trouxe na bagagem a paixão pela música e se encantou com o caráter político da festa belo-horizontina. “Encontrei aqui uma abordagem que me chamou mais a atenção do que a própria música. BH tem um carnaval de rua e de luta que consegue, sobretudo, pautar movimentos sociais e diversas bandeiras”, afirma Jhonatan.
Depois de se formar, ele virou arquiteto e carnavalesco. “Dedico grande parte do meu tempo tanto aos estudos quanto à elaboração de projetos como oficinas de percussão e organização do backstage dos blocos”, conta.
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Grupo Corpo vai cair no samba durante o desfile do QueixinhoBrumadinho e Marielle são homenageados por foliões no Então, Brilha!Trânsito na Avenida do Contorno é intenso no primeiro dia de carnavalChuva e protesto marcam desfile do Bloco Ladeira AbaixoEste ano, ele é o regente principal do Alô Abacaxi, além de sub-regente e vocalista do Juventude Bronzeada. Também integra as baterias do Então Brilha!, Pisa no Fulô, É o Amô, Pula Catraca e Pega no Piston. Jhonatan não abre mão de participar de grupos menores, assumindo vários instrumentos no Manjericão, Bloco da Praia e Pula Catraca.
Na segunda-feira, ele resgatará suas raízes baianas com a estreia do bloco Daquele Jeito, destacando ritmos do Recôncavo, cujo desfile ocorrerá na Avenida Álvares Cabral, a partir das 8h30. “Geralmente, os blocos nascem da vontade de grupos de amigos de trazer para o carnaval um universo musical específico, que geralmente fica de fora da festa”, diz. “No caso do Alô Abacaxi (que homenageará a Tropicália, no domingo) e do Garotas Solteiras (de repertório pop, na segunda), a causa LGBT também é muito latente”, acrescenta.
A festa de Mateus Jacob começou há três semanas, com o Unidos do Queima Largada. Ele também bateu ponto no Como Te Lhamas, Spiro Giro, Bloco da Bicicletinha e O Pior Bloco do Mundo.
Durante o ano, o arquiteto e urbanista Jacob gerencia o Bar Juramento 202, na Pompeia. “Meu envolvimento com o carnaval surgiu na faculdade, durante discussões sobre a ocupação do espaço público, com o entendimento de que a cidade deve ser das pessoas e das festas, não só do lucro”, conta.
Carnavalesco há cerca de uma década, o mineiro ressalta que a crescente adesão do povo à festa nas ruas evidencia a necessidade de maior investimento público na folia.
“O carnaval de BH está uma loucura, cada vez mais cheio, numa escalada que parece não ter fim. As autoridades precisam se ligar que os responsáveis pelos blocos são aqueles que fazem o carnaval de fato. Só com caixa de som e DJ, esta festa não acontece”, adverte.
A Corte Devassa surgiu em 2011, como performance de um grupo de alunos de teatro para receber os calouros. “A ideia era fazer uma sátira dos lugares de poder e conservadorismo. Trouxemos as marchinhas para dar caráter mais bufão à brincadeira”, explica Lira. Os amigos curtiram tanto que transformaram a iniciativa em um bloco de carnaval, que saiu às ruas pela primeira vez em 2012.
Com seu trabalho à frente dos blocos, a atriz busca assegurar espaço igualitário para as mulheres na folia. “Aos poucos, fomos ocupando lugares de liderança no carnaval. Não somos coadjuvantes”, avisa. Ela cita Nara Torres, fundadora do bloco feminista Sagrada Profana, que fez seu desfile no último domingo (24), e a artista e ativista trans Cristal Lopez, presença ilustre em seis blocos, homenageada pelo Lua de Crixtal, na última segunda-feira (25).
Lira é uma das idealizadoras da convocação de musicistas mulheres para o Magnólia, que promove oficinas e aulas visando à formação de novas participantes. “Ao falar sobre a presença feminina, é preciso entender recortes para as negras, travestis, lésbicas... Além da participação nos desfiles, as pautas dessas mulheres precisam ser discutidas dentro de cada bloco”, defende Lira Ribas..