Um beijo forçado ou uma puxada pelo braço. A importunação sexual é comum o ano inteiro, mas se intensifica durante o carnaval, principalmente pela falsa sensação de que “tudo é permitido” durante os batuques da festividade. A mensagem “Não é não!” é simples e objetiva, mas ainda muito necessária. E vale frisar que, desde setembro, a lei se tornou mais dura para punir quem pratica esse tipo de crime – sim, crime. Agora, com a proximidade do período carnavalesco, um coletivo feminista lançou a segunda campanha de financiamento coletivo on-line para a confecção de tatuagens temporárias com os dizeres “Não é não!”. A ideia é distribuí-las gratuitamente às mulheres pela capital mineira. A arrecadação termina hoje.
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O movimento Não é Não! teve início justamente depois de mais um abuso sofrido por uma mulher em um ensaio de bloco de carnaval em 2017, no Rio de Janeiro, e hoje tem como objetivo dar visibilidade e combater esse tipo de crime, “usando o próprio corpo como outdoor para espalhar a mensagem.” “O projeto é necessário porque as mulheres ainda precisam dizer não. Nossa liberdade ainda não é respeitada, seja dentro ou fora do carnaval. Não nos sentimos seguras nas ruas. E na folia ainda precisamos dizer o óbvio e escrever na pele pedindo respeito”, explicou Luiza.
A jovem Fernanda Gontijo, de 26, foi vítima de importunação no carnaval de Belo Horizonte. E terminou ferida por um homem durante desfile do bloco Unidos do Samba Queixinho, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste. Em 2017, um homem de aproximadamente 30 anos, com o rosto pintado de laranja e duas estrelas pretas no olho insistia em importunar a jovem. “Estava no bloco do Queixinho com amigos e um homem começou a me assediar. A mim e a outras mulheres que estavam perto. Depois de várias tentativas de tirá-lo de perto e pedir que me deixasse em paz, ele se revoltou e me deu uma cabeçada no nariz, que resultou em uma fratura”, contou a jovem. Na ocasião, outras duas jovens contaram que foram assedias pelo mesmo homem minutos antes da agressão. A equipe de reportagem presenciou a cena.
No dia seguinte, a vítima decidiu fazer o boletim de ocorrência na polícia: “Confesso que a princípio não queria levar o caso adiante, pois estava muito abalada, sentindo dores e queria ficar em casa. Mas conversando com amigos e, principalmente, com o pessoal do bloquinho – que prontamente me auxiliou –, fui convencida a ir até a delegacia para denunciar o que tinha acontecido. Foi a melhor coisa que fiz, pois apesar de ser trabalhoso, vale a pena fazer isso pelo próximo. Acredito a denúncia pode levar o criminoso a pensar duas vezes antes de fazer isso novamente. Se a última garota importunada por ele tivesse feito o mesmo, talvez eu não teria passado por isso”, disse.
O caso foi levado para a Justiça e o folião foi julgado culpado no processo criminal, tendo que cumprir quatro meses de trabalho voluntário. “O engraçado foram as alegações dele. Disse que planejei tudo, porque havia jornalistas no local, e que praticamente eu dei uma narigada nele”, contou Fernanda. Para ela, a pena não foi justa: “Mas sei que pelo contexto do caso, antecedentes e alguns outros parâmetros, a pena não seria muito diferente disso. Torço para que isso mude”, afirmou.
Os números oficiais são pequenos, quando sabemos que os casos de assédio acontecem com uma frequência absurda e aumentam ainda mais no carnaval. “Muitas mulheres não denunciam por medo ou por descrença no sistema ou mesmo são silenciadas pelas pessoas que presenciam os casos e deveriam acolhê-la. Aos poucos essa realidade está mudando”, Luiza, do Não é não!.
COMO CONTRIBUIR Segundo Luiza, a tatuagem é uma forma de chamar a atenção para o problema e evitar que casos como o de Fernanda não ocorram. Para os apoiadores, foram criadas diversas recompensas, como citação em post de agradecimento pelo apoio, tatuagens para curtir as festas e brindes exclusivos da campanha, todos produzidos por mulheres, em sua maioria de Belo Horizonte, como brincos, imãs, bolsas, instrumentos musicais e até cerveja. Em Minas Gerais, a arrecadação termina hoje e tem três metas: a primeira, de R$ 8 mil, para a confecção de 5 mil tatuagens; a segunda, de R$ 15 mil, para produção de 10 mil tatuagens, e a terceira, de R$ 20 mil, para a confecção de 15 mil. As tatuagens temporárias são distribuídas apenas para mulheres.
Os blocos e marcas parceiras estão listados no site do coletivo e os locais de distribuição serão divulgados ao longo do pré-carnaval e carnaval, nas redes sociais do Não é não! (Instagram: @naoenao_ e Facebook: /tatuagensnaoenao).
O que diz a lei
Importunação sexual e a divulgação de cenas de estupro agora são crimes. É o que estabelece a Lei 13.718/18, sancionada em 24 de setembro. O crime de importunação sexual é caracterizado pela realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem sua anuência. O caso mais comum é o assédio sofrido por mulheres em meios de transporte coletivo, como ônibus e metrô. Antes, isso era considerado apenas uma contravenção penal, com pena de multa. Agora, quem praticar esses atos poderá pegar de 1 a 5 anos de prisão.
LGBT na defesa
As agressões não se limitam apenas às mulheres. Coletar denúncias, auxiliar a Justiça e repensar o carnaval, promovendo maior respeito pelas diferenças. Esses são os objetivos de um formulário criado pela Frente Autônoma LGBT, em parceria com os blocos de rua LGBTIQ e o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG). Somente no ano passado, o coletivo recebeu 10 denúncias: 8 de insultos e xingamentos LGBTfóbicos, duas de agressão física, uma de assédio sexual e outra de ameaça à vida. A maioria (6) foi reportada por gays.