Falta pouco para o carnaval acabar. Mas este ano, definitivamente, não será como o que passou. Histórias e estórias vão pipocar nas time lines das redes sociais. Algumas vão despertar aquele espírito de vergonha alheia; outras, boas risadas. Em busca de histórias de carnaval, a coluna HIT publica o terceiro capítulo de uma série de quatro escrita por dramaturgos, escritores, produtor cultural, ator, músico e designer. Hoje, assinam o texto Afonso Borges, Jacques Fux e Trotta. Como nos capítulos anteriores, os autores tiveram um prazo de 24 horas para compor cada parágrafo. O resto era se jogar na criatividade.
Um drinque no inferno
Tinha que se decidir. Anos sem pular carnaval. No apartamento, vendo filmes, ou viajando para lugares remotos. Tomou coragem, tudo acabaria no dia seguinte. Enfiou cabeça abaixo a primeira camisola que viu no armário da avó, rasgou um batom vermelho boca afora e desceu para o bloco. No elevador, evitou o espelho. Porta abre, se joga na Rua da Bahia, como se fosse o fim dos dias.
Rolou por cima do capô do carro, abraçado à foliã, estatelaram na calçada, do lado de lá. Cabeça sangrando, olhou pro lado e ela o beija no chão. Ficam ali, agarrados, meio mortos, vivos, a marchinha ao fundo. Levantou-se, enfim, ajeitou a camisola e subiu os olhos. Entendeu tudo. (Afonso Borges)
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Coluna HIT mostra histórias que têm como cenário a festa que toma as ruas da cidadeTrês dramaturgos se unem para produzir uma história de CarnavalMãos, corpos, cheiros, não havia nada de mole naquela troca de afetos e temperos. Louco, muito louco – já tinha irrigado a suruba com vodcas e afins –, apagou por alguns segundos. Acordou e se viu carregado por uma multidão como se fosse uma estrela do rock’n’roll.
Confira a programação completa dos blocos em BH
Na memória um tanto embriagada e ainda de ponta- cabeça, vieram à tona flashes da matinê de carnaval de um tradicional clube da zona sul, num baile da época em que Belo Horizonte não tinha carnaval: marchinhas, confetes, mascarados, suor e paixões efêmeras. Nostálgico, lembrou que Gioconda, sua amada avó, o entubara numa fantasia de Zorro, que o deixou mais para Tonto, e tonto que estava, mergulhou um pouco mais fundo no lixo metálico e se encontrou descendo a Rua Itapecerica abraçado à figura de Cintura Fina no Leão da Lagoinha, bloco da época em que Belo Horizonte não tinha carnaval: marchinhas, confetes, mascarados, suor e paixões efêmeras.
Ébrio, seguiu direto para a Avenida Afonso Pena e, se deparando com o corso de calhambeques, reconheceu num deles a jovem Gioconda, sua amada avó, garota, em meio a uma batalha de confetes, luta da época em que Belo Horizonte não tinha carnaval: marchinhas, confetes, mascarados, suor e paixões efêmeras. Desacreditado, enfim, com tamanha improbabilidade da cena e com a cabeça já escaldada pelo sol de fevereiro, estatelou de vez no asfalto, despejado de seu azedo lar de latinhas pelo rompante Bloco dos Garis, pouco depois de tudo se acabar, na quarta-feira. (Trotta)
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