Três dramaturgos – Ronaldo Ciambroni, autor do grande sucesso Acredite, um espírito baixou em mim, Sérgio Abritta, de 10 maneiras incríveis de destruir seu casamento, e Júnior Souza (Certos rapazes) – formam o trio de autores que assina a segunda história da série de carnaval publicada pela coluna HIT neste 2018. A brincadeira começou no domingo (11), com texto de Sabrina Abreu, Cris Guerra e Fernanda Mello. Todos seguiram à risca a única exigência, que era cumprir o prazo de 24 horas para compor cada trecho do texto.
A mulher do carro alegórico
Cheguei na cidade tonto e deslumbrado com tudo o que eu estava vendo. O movimento enlouquecedor dos automóveis, gente para todos os lados, e eu precisava achar a entrada que dava acesso à concentração onde se encontrava a escola de samba em que eu ia desfilar. Era a minha primeira vez na avenida. A minha fantasia, até hoje não sei o que representava. Era uma túnica com um buraco atrás, que me deixava mais tímido do que já sou, porque as minhas nádegas ficavam expostas.
Leia Mais
Mapa dos blocos do carnaval de BH 2018: datas, horários e locais da foliaFátima Bernardes exibe look sensual no carnaval do Rio Cheiro de urina, depredação e lixo nas ruas; o desrespeito no carnaval de BHCleo Pires ousa no look e deixa seios à mostra na SapucaíHistória e estórias de carnaval provocam misto de vergonha alheia e boas risadas
Lá da avenida, observei o carro alegórico que ia na frente da minha ala. Era um carro muito alto, com vários andares de enfeite e pessoas com muitos badulaques na cabeça. Quando a minha vista chegou ao topo do carro, tive uma visão que me deixou extasiado – era uma mulher totalmente nua, talvez fosse Eva ou qualquer outra visão do paraíso. Eu não podia ficar parado no meio da avenida, pois a escola tinha que evoluir... Mas como chegar lá em cima? Como conhecer aquela mulher deslumbrante, alta, carregando apenas uma folha para impedir a nudez total? Eu tinha apenas 30 minutos para alcançar o final do desfile... (Ronaldo Ciambroni)
Então, corri. Corri desesperadamente, como jamais havia corrido em qualquer outro dia da minha vida.
olhos e bocas abertos vendo meu completo desnudar. Comecei a subida bem devagar, como um bailarino acrobata, enlaçando e rodeando cada corpo, em movimentos sinuosos, que, estranhamente, me pareceram cuidadosamente ensaiados para a ocasião. Meus partners começaram a colaborar com a dança, a princípio timidamente e, com o passar do tempo, escancaradamente, como se tudo tivesse sido objeto de uma cuidadosa preparação.
Como chegou a mim aquele arrebatamento, jamais saberia dizer. Sei que agora estava do lado dela, sambando, cantando o enredo com um sorriso abre-alas, todo caprichado nas evoluções, que me davam a certeza de que levaria nota 10 em todos os quesitos. Estava praticamente nu, mas, de repente, me via fantasiado de Hércules, defronte o leão da Nemeia, pronto para vencer uma epopeia carnavalesca quase mitológica. E cantar a letra do samba contribuía para aumentar essa força, o enredo falava sobre as divindades do Olimpo, e já nem me lembrava das transgressões que tinha cometido para chegar até ali. Quando o puxador rompeu mais uma vez com o refrão, meu olhar se fixou no dela e tudo se fez num só timbre, cara a cara, olho no olho. E foi na evolução seguinte que avistei na lateral de sua costela direita uma tatuagem de sereia que teimava em resistir ao grude da tinta vermelha, mas já sucumbindo ao brotar incessante do seu suor. Agora, não restavam mais dúvidas. Eu a conhecia.