Quem não tem uma boa história de carnaval para contar atire a primeira pedra. Inspirada na folia, a Coluna HIT apresenta, de hoje a quarta-feira de cinzas, quatro histórias que têm como cenário a festa que toma as ruas da cidade. Detalhe mais importante: cada texto foi escrito a seis mãos e contêm três parágrafos. As escritoras Sabrina Abreu, Cris Guerra e Fernanda Mello abrem a série. Todos tiveram liberdade para se jogar entre confetes e serpentinas. Cada autora tinha 24 horas para redigir seu texto e encaminhá-lo à próxima. Deu certo. Para quem está em casa, atordoado pela ressaca, ou esquentando para correr atrás do próximo bloco, ainda há tempo de se divertir com as histórias de carnaval.
SONHEI QUE SONHAVA
Há uma década, se alguém me falasse que o carnaval de BH, no futuro, teria bloquinhos com milhares de pessoas nas ruas, eu pensaria que esse alguém estava sonhando. Mas, a partir de 2009, comecei a ouvir falar (e a ver fotos nas redes sociais) desse movimento crescente. Demorei anos para me render, até que, num domingo de 2014, decidi sair no bloco do Batiza “só uma vez, só para ver qual é”, mas logo percebi que aquela não seria a única. Na psicanálise, aprendemos que, num sonho, todos os personagens são representações de nós mesmos. Naquela tarde, no meio do bloquinho não muito longe da minha casa, eu estava vestida de mulher-gato, mas senti que eu também era o cara tocando surdo, a porta-estandarte com vestido dourado, uma criança vestida de odalisca jogando confete para cima. Descobri que a mistura do carnaval vai além da proximidade dos corpos grudados por metro quadrado. É um ajuntamento que nos faz sentir parte de um todo colorido e barulhento, que sorri e pega leve com quem está do lado, que se veste como quer e não precisa encarar olhares de julgamento por causa disso. Em outros domingos de carnaval, eu voltei como pirata, como fada e até sem fantasia definida, apenas com purpurina nos ombros e flores no cabelo. Em cada um deles, não consigo deixar de pensar: se a vida é tão curta para ser minimalista, poderíamos manter a purpurina e abrir mão do julgamento durante o ano inteiro. Não seria um sonho? (Sabrina Abreu)
Talvez a purpurina revele o brilho da alma. Vestir a fantasia, seja ela qual for, se a mais espalhafatosa ou aquela que nem se nota no meio do bloco, é uma espécie de confissão. Todo mundo veste uma saudade, um sonho como adereço, uma transparência do que lhe faltou. Talvez more aí a grande magia do carnaval. Van Gogh, Frida Kahlo, cowboy, David Bowie. Policial, colombina, palhaço ou Noel Rosa: todos unidos no compasso das diferenças. Todos vestidos de suas mais lindas frustrações. Cair na folia é um atalho secreto para a infância. Um tempo breve para finalmente nos disfarçar de quem somos. Se os pequenos vivem ouvindo a pergunta “O que você quer ser quando crescer?”, sonhamos com o dia em que alguém possa nos indagar o contrário: o que você quer vestir para voltar a ser criança? (Cris Guerra)
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Me encantei pelo encontro e me desculpei (quase envergonhada) pela ausência. Esquecer nosso lado criança – aquele que nos faz lembrar da magia do mundo – é um descaso que merece reparos imediatos e um puxão de orelha certeiro. O que fazer?, pensei, enquanto desempacotava meus sonhos e os olhava um a um. Em frente ao espelho, um sorriso esquecido me pegou de surpresa, juntamente com uma peruca emaranhada do que poderia ser um Alice Cooper, um top brilhante de paetês à la Beyoncé e uma armadura (rústica e dura) de Joana D’Arc...
Foi então que me rendi às minhas tantas fantasias, coisa que aprendi sendo criança. Nesse carnaval, vou vestir todos os meus sonhos, me enfeitar de desejos e ser, ao mesmo tempo, o que fui, o que sou e o que eu nunca (Alice Cooper?) serei. (Fernanda Mello)