Entre gargalhadas e som alto, Sandro Boaventura me explicou rapidamente o neologismo no meio da muvuca. “Vou invadindo os blocos. Chego e entro, me faço integrante. Sou o verdadeiro folião, palavra que, em francês, tem a ver com loucura. Folie. Difícil mesmo foi encontrar um sapato número 44.” No meu modesto entender, ele está coberto de razão. E sabe do que fala, pois, na vida real, trabalha na área de saúde mental. Achei ótimo e vou guardar: invadiação!.
O Magnólia mostrou que carnaval rima mesmo com todos os ritmos e, com o mix de dança e artes cênicas, faz bonito por onde passa – ainda mais com a atriz Lira Ribas carregando o estandarte. Muitas vezes, era um La La Land em plena Avenida Pedro II, os casais todos suados rodopiando com o maior charme e agilidade. E as meninas de roupas laranja e preto, com boás, fazendo trenzinho na pista e enchendo a terça-feira gorda de alegria e emoção
Não só eu, mas muita gente gostou, mesmo debaixo da água forte que veio do céu no início da tarde. As amigas de longa data Gracinha, Ana e Vânia ficaram fora da corda de proteção, mas nem por isso deixaram de aproveitar o fuzuê do bloco. Riram, curtiram o som e ensaiaram alguns passos de charleston. “Somos as Luluzinhas”, revelaram, felizes da vida. E aplaudiram o maestro, sabe por quê? Brasilino pediu respeito para as mulheres, apoiou a liberdade de gênero e disse não ao preconceito. Palmas para ele.
Trilha sonora
Fui tomado pelos sons do bloco, minha cabeça encharcada de chuva e alegria do carnaval, minhas pernas dando sinais de que a quarta-feira de cinzas sempre chega para todo mundo, inexoravelmente. E lembrei o quanto a música popular é pródiga, variada, rica e ajuda a gente a tocar o barco da vida. Puxa, se há muita canção eletrizante para festejar Momo, tem outras tantas para encerrar seu reinado. Com poesia.
Basta lembrar que na quarta-feira “tudo volta ao normal”, conforme diz a Noite dos mascarados, de Chico Buarque
Andei pelas ruas da cidade sob chuvas de confete em alguns locais, serpentinas voando, cantarolei os versos da minha memória afetiva e fui emendando a outros mais presentes neste carnaval e na boca de todos os blocos. Uma delas é Baianidade Nagô: “Eu queria/Que essa fantasia fosse eterna...” Será que queria mesmo?
E foi então que, mais tarde, já escurecendo, vi uma menina rebolando como se não houvesse amanhã, nem depois, nem depois... E veio outro verso das profundezas da vida: “Ela desatinou/viu chegar quarta-feira/Acabar brincadeira/bandeiras se desmanchando/E ela ainda está sambando..”, também de Chico Buarque.
Mas, de todas, a que mais gosto é Marcha da quarta-feira de cinzas, de Carlinhos Lyra: “E no entanto é preciso cantar/Mais que nunca é preciso cantar/É preciso cantar e alegrar a cidade”. É verdade, arte acima de tudo. Nessa batalha de confetes, passei a crer que o vencedor é quem vive as melhores fantasias. E depois cai (sem medo) na real. Até a próxima, Momo! Valeu!