O rapaz desceu desembestado a Rua Ceará na esperança de pegar a rabeira do Beiço de Wando, que passara meia hora antes. Estava de super-herói e tenho certeza absoluta que pegou a toalha de mesa da mãe para fazer a capa da fantasia: dava para ver desenhos de panelas e talheres no tecido meio desbotado. Mas, naquele momento, quem se importava? Ele era Batman sem Robin, He-Man depois da gripe ou Super-Homem voando atrás do bloco preferido. Não demorou muito, o adolescente encontrou sua turma e cantou a plenos pulmões “Você é luz, é raio, estrela e luar/Manhã de sol, meu iaiá, meu ioiô”, sucesso de Wando, o cantor mineiro que morreu há cinco anos perto do carnaval.
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Animação não falta no Beiço que desfila pela segunda vez, agora com mais de 300 integrantes na bateria, e solta uma fumaça amarela para saudar os foliões. Bacana. O grande problema de agremiações com trio elétrico é que os cantores costumam falar mais do que o homem da cobra da Praça Sete. Não conhece não? É um que traz a serpente dentro da caixa e fica exibindo o bicho para quem passa no Centro da cidade. Mas já me disseram que ambos são inofensivos.
Bloco sem Wando seria impossível, por isso o aposentado Leonardo dos Santos Fonseca encarnou o cantor com a maior competência. Colocou uma máscara com o beição característico, uma calcinha no pescoço e recebeu um beijo da mulher, Sílvia Ester Meireles Vieira, funcionária pública que aproveitou o domingo para cantar, dançar e, claro, paparicar o maridão. “Sair neste bloco é muita emoção. É fogo e paixão”, disse a mulher brincando com o título do maior sucesso do artista. O bloco, além das canções de Wando, tem um hino bem próprio que diz: “Foi num verão/que um beiço confortou meu coração” e traz para o asfalto melodias de cunho brega.
Baile total
Folião que é folião precisa ter pique, fogo no corpo e paixão pela farra de Momo. Depois da homenagem a Wando, chegou a hora de reverenciar outros artistas mineiros, desta vez no Bairro Santa Tereza, tradicional reduto da boemia de BH. No encontro das ruas Divinópolis e Paraisópolis, dava para ver o outro lado da folia, embora com a mesma animação. Antes do desfile, a bateria do Bloco da Esquina, formado em 2013, transformou o espaço em um grande salão de baile, juntando gente de todas as gerações ao som de músicas de Milton Nascimento, Fernando Brant, Beto Guedes, Lô Borges e outros artistas queridos do público. O ritmo variava, passando pelas marchinhas, axé da Bahia e por outros temperos brasileiros.
Então veio a chuva do meio-dia e deu uma refrescada geral na galera. Uns se protegeram nas marquises, outros preferiram enfrentar o aguaceiro, como aconteceu com um bloquinho meio mambembe que cruzou a Avenida Afonso Pena por volta das 11h30. Verdadeiros heróis da resistência que não fogem da batuta. Bastava um tempo para voltar à ribalta.
Pensa que acabou? Pois tem mais. Passada a tempestade, eis que surge na Rua Aimorés, no Bairro Funcionários, o bloco Todo mundo cabe no mundo, de caráter inclusivo e criado pelo artista plástico Marcelo Xavier. Passava diante dos meus olhos o verdadeiro espírito do carnaval: índios, ciganas, sereias, zebras, rapazes de bailarina, mulheres vestidas de policial e o principal: alegria borbulhante, rostos felizes e a certeza de que hoje tem mais. Evoé, Momo!